Na semana passada fiz dois comentários a respeito do hábito tomou conta de autoridades da Prefeitura de Fortaleza de culpar a população pelos problemas administrativos da cidade.

Os comentários foram os seguintes: A quem cabe a responsabilidade de administrar Fortaleza? (também publicado no OPOVO) e A importância que (não) se dá à organização do espaço público de Fortaleza.

Quem?

Na edição de hoje do O POVO (24/1/2011), Demétrio Andrade, coordenador de Comunicação Social da Prefeitura, publicou o artigo Ode ao paternalismo (veja a íntegra abaixo), no qual tenta responder aos questionamentos que fiz, sem fazer citação direta a meus artigos.

Atribuo a não-citação do meu nome na resposta a um certo desdém – não vou dar cartaz para esse cara – pois não creio que falte coragem intelectual a Demétrio Andrade.

Aos argumentos

Mas vamos aos argumentos de Demétrio, na tentativa de provar que eu estaria fazendo um elogio ao paternalismo.

O coordenador diz que a Prefeitura lançou no mês de dezembro uma “campanha de educação ambiental” para que a população acomode e dispense seu lixo adequadamente. E que a administração municipal vai agir “com rigor” contra os que infringirem as normas. Ótimo ainda que o negócio venha com atraso.

Lixo

Além do mais Demétrio concentra-se na questão do lixo, que é grave, mas não é o único problema administrativo que assola Fortaleza. Nos textos citados dei outros exemplos; neste blog, na seção “Fortaleza, terra de ninguém” podem ser vistos outras dezenas.

Por fim, eu não escrevi que “a gestão não pode cobrar a população porque não está fazendo a sua parte”, como reproduz Demétrio.

Foi justamente o contrário: eu afirmei que a Prefeitura tem de agir, que é sua obrigação, que para isso é que foi eleita. É a Prefeitura que tem o poder de coerção legal para enquadrar aqueles que desrespeitam a lei e o Código de Obras e Posturas da cidade.

Cidade limpa

Peguemos a lei da “Cidade Limpa” do município de São Paulo. O prefeito esperou o comercio “fazer a sua parte” ou aplicou a lei com rigor, pondo abaixo os monturos que poluíam a paisagem urbana (como acontece em Fortaleza)? A “colaboração” veio depois, com os comerciantes “aderindo” à lei.

No caso da proibição do fumo nos restaurantes (ainda em São Paulo) foi a mesma coisa. Recentemente foi feita uma pesquisa mostrando que a grande maioria, inclusive comerciantes, “aderiram” à lei da proibição do tabaco nesses ambientes. Os próprios comerciantes, hoje, dão depoimento dizendo que aprovam a lei e que o movimento aumentou, com a volta das famílias com seus filhos, que, antes fugiam do tabaco.

Mas, pouco tempo atrás, esses mesmos comerciantes chegaram a fazer campanha contra. Portanto, foi preciso a ação e a liderança do poder público, para, em um primeiro momento, impor a medida.

Quem é “paternalista”?

Me parece que é a Prefeitura que hesita ante o enfrentamento com a classe média e os ricos que usam calçadas como estacionamento particular, obrigando os trabalhadores a disputarem espaço com os carros na rua. Quem é “paternalista” com os comerciantes que ocupam as calçadas para ganhar dinheiro privado, roubando o espaço público do pedestre?

No fim de seu artigo, Demétrio diz que a população precisa ser “lembrada” para fazer sua parte. Concordo. Mas creio que, em seis anos, já deu para lembrar e relembrar a “população”. O que se espera – há muito – é a ação da Prefeitura, utilizando todos os instrumentos que a lei lhe faculta, de modo a se estabelecer regras civilizadas de convivência na cidade.

Assim, é risível o argumento do coordenador de Comunicação quando diz que estou fazendo uma “ode” ao paternalismo. Se pedir que a Prefeitura tome a iniciativa de agir contra situações ilegais e irregulares for “paternalismo”, creio que terei de trocar meus dicionários.

Faça-me o favor Demétrio, você é capaz de coisa melhor.

Veja o artigo completo do coordenado de Comunicação da Prefeitura

Ode ao paternalismo?
Demétrio Andrade
Coordenador de Comunicação da Prefeitura de Fortaleza
demetriofarias@gmail.com

Confesso que fiquei surpreso com algumas opiniões publicadas por companheiros de profissão neste jornal de alguns dias pra cá. No dia 15 de dezembro, a Prefeitura de Fortaleza lançou uma campanha de educação ambiental. Basicamente, a peça publicitária fala de atos infelizmente comuns cometidos pela população: lixo no canteiro central ou fora dos dias de coleta, terrenos baldios sem muro, colocação de entulho em locais inadequados.

A veiculação foi absolutamente planejada, concomitante à efetivação de 200 novos fiscais pelo município. Ou seja: não foi uma simples propaganda, mas um aviso de que a Prefeitura vai agir com rigor nestes casos. O período também foi escolhido por tratar-se de lembretes que interferem, diretamente, no aumento de problemas comuns no período invernoso, para o qual a Prefeitura vem tomando ações preventivas desde outubro de 2010.

Vale ressaltar o reconhecimento da população em relação ao trabalho da Prefeitura acerca da coleta de lixo. O problema maior não é de coleta, mas, repito, do lixo e do entulho despejados em locais inadequados. Além disso, a capital reduziu as áreas de risco de 105 para 91, efetivando o maior programa de habitação popular da história da cidade. Cabe lembrar que foram enfrentados inversos rigorosos, sem vítimas fatais, sem grandes catástrofes ou um número significativo de desabrigados. E que a Defesa Civil de Fortaleza praticamente começou a existir efetivamente na gestão Luizianne Lins.

Dito isso, não valem as críticas de que “a gestão não pode cobrar a população porque não está fazendo a sua parte”. Pelo contrário. Problemas graves são decorrentes da falta de educação da população, que precisa ser lembrada para fazer a sua parte. De outra forma, se estará corroborando com a visão paternalista do poder público que, sozinho, seja qual for o titular, nunca conseguirá resolver o problema.

O POVO – edição de 24/1/2011.