Arte: Hélio Rôla (clique para ampliar)

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O professor e escritor Carlos Augusto Lima escreveu uma resposta ao meu artigo Redação deveria ser suprimida do Enem.

Como o texto ficou longo para os padrões de artigos de Opinião, foi-lhe pedido que fizesse uma adaptação do texto, publicado na edição de hoje (29/3/2013) do O POVO, com o título Redação do Enem, pensar às avessas, sim! 

Em sua réplica, o professor defende a continuidade da redação no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), propondo que se busquem maneiras de melhorar o modelo atual, de modo que o aluno fique menos preso a regras e possa desenvolver a criatividade.

Abaixo, estou divulgando o texto na íntegra, agradecendo ao professor por ajudar no debate.

Redação do Enem, pensar às avessas, sim!
Carlos Augusto Lima

Causou certo espanto, celeuma e até, quem sabe, revolta, a recente divulgação de duas redações aprovadas no ENEM que, além de outros problemas, utilizavam-se do deboche e da ironia na escritura dos tais textos. Drama nacional, alvoroço, brados retumbantes! Ora, mesmo entendendo as fragilidades do processo e os problemáticos embates logísticos e estruturais de uma prova como o Enem, uma falha (falha?) em duas redações, num universo de mais de 4 milhões de inscritos para cerca de 130 mil vagas, em vez de apontar uma crise, veja bem, e pensando no país em que estamos, não estaria representando, na verdade, uma vitória?

O que todos esperamos, claro, é que os processos se desenrolem na perfeita combinação de eficiência, oportunidades iguais, clareza e honestidade. São quesitos básicos para um processo público importante, que é o ENEM, definidor de projetos pessoais, políticos e sociais. Não trato aqui da defesa de governos, políticas, desta ou daquela gestão. Sou entusiasta, sim, do ENEM como uma possibilidade melhor (mais sábia) para uma tentativa de democratização do acesso de nossos estudantes à universidade pública. Esse mesmo entusiasmo, no entanto, caminha ao lado da compreensão, como já disse, dos percalços, problemas e dificuldades que um processo, de certa forma recente, como o ENEM enfrenta, enfrentou e, certamente, ainda enfrentará. Acredito que devemos torcer para que os problemas amenizem mais e mais com o passar do tempo, com uso da calma, inteligência e vigilância, sempre, de nossa parte.

Voltando ao início da prosa, causou-me particularmente até certo espanto, algumas reações a respeito da divulgação das curiosas redações do último ENEM. Um ar de revolta apressada e o surgimento de algumas soluções bem exaltadas. Em artigo publicado na coluna “Opinião” (21/03/2013), o jornalista Plínio Bortolotti, depois de destrinchar uma série de críticas ao processo do vestibular, ENEM, e a formação de nossos alunos (algumas ideias até me fizeram concordar com ele), propôs a extinção da redação do exame. Lembrei de imediato de um dito popular, não sei se falado muito pela mãe ou pela avó, que lembra que uma solução como essa é a mesma coisa de resolver o problema da unha encravada, arrancando a perna inteira.

No meu entender, a redação (ou produção de texto, seja lá como a chamemos) é o lugar aonde irá desaguar todo o percurso de construção do conhecimento do jovem que passa pela escola. É lá onde ele irá tentar demonstrar sua capacidade não só de dominar a língua, a norma culta dela (se é que alguém domina tal coisa), mas onde irá expor sua maneira de articular ideias, visão de mundo, associações com outros conteúdos, um rascunho onde entrariam inclusive suas experiências mais particulares. A redação talvez seja o lugar mais apropriado para se medir, avaliar, mapear, a capacidade de articulação de pensamento do sujeito. Não é essa articulação de pensamento que buscamos e não o mero acúmulo de conhecimento? Não importa como ele irá fazer tal coisa. Se irá decorar as fórmulas de composição (e, lhe garanto, caro Plínio, que na hora de escrever, esses “bizus” contam bem pouco, com certeza), se irá usar do deboche, se será inovador, conciso, prolixo, é lá, na produção de texto, onde o pensamento se realiza (ou não) com maior intensidade.

Gostaria então, de pensar uma inversão a partir da proposição do jornalista Plínio Bortolotti, de se eliminar a redação da prova do Enem. E se, em vez de sumir com ela nós, na verdade, ampliássemos a presença da produção textual dentro da avaliação? Se, em vez de uma redação, tivéssemos várias? E se, depois de resolver uma questão da área de matemática e suas tecnologias o aluno tivesse que explicar como conseguiu chegar naquele tal resultado, dissertando sobre seu raciocínio lógico. E se, na prova que envolve ciência humanas, depois de assinalar itens e tais, o aluno tivesse que escrever sua opinião sobre a questão Palestina? E se, a prova de redação oferecesse ao aluno uma variedade de opções para a escrita de gênero textuais, não só dissertações, narrações, mas, além, produção de textos líricos, reescrituras e a liberdade para que o sujeito se utilize, até mesmo, do deboche, da ironia, da sua inventividade. Um ambiente ideal? Claro, estamos todos trabalhando, aqui, com o ideal, até mesmo para imaginar uma avaliação perfeita das redações, num universo gigantesco como dessa prova.

Desta maneira, creio eu, teríamos ainda várias ocorrências de unhas encravadas, alguma dor, quem sabe, mas caberia a nós continuar a vigilância para a solução e amenização desses infortúnios. E, o mais importante: manteríamos a perna intacta para que ela (eles) buscasse a devida pulsão para o salto.

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