No princípio era assim, dizia-se que havia um núcleo “ideológico” no governo de Jair Bolsonaro e um núcleo “técnico”.

No primeiro, tendo como referência o próprio presidente e seu ideólogo Olavo de Carvalho, estariam os aloprados, para os quais não se devia dar importância, por mais absurdos que cometessem. Do próprio Bolsonaro dizia-se a mesma coisa: deixe-o falar, enquanto o Posto Ipiranga vai tocando a economia.

Quanto ao núcleo “técnico”, à frente dele estariam Paulo Guedes (Economia) – um sujeito incensado pelo “mercado” e por uma plêiade de jornalistas coroados – e o impoluto Sérgio Moro (Justiça), com sua legião de fãs, conquistados com a sua ação de juiz parcial em processos da Lava jato.

No entanto, a realidade mostrou que os dois superministros foram rebaixados a meros subordinados do presidente, tornando-se verdadeiro áulicos de Bolsonaro. Dois pit bulls prontos a investir contra qualquer crítica ao presidente, mesmo quandos suas falas nivelam-se à sarjeta. (Recentemente a mulher de Moro disse que ele e o presidente eram “uma coisa só”, não é lindo?)

Os fatos abaixo mostram essa escalada de Paulo Guedes para agradar o presidente, metendo-se no terreno ideológico para agredir funcionários públicos, humilhar empregadas domésticas e violentar a democracia.

Para puxar o saco do chefe, Guedes reafirmou que a mulher do presidente da França Emmanoel Macron era “feia mesmo”. E, para emular o chefete, Eduardo Bolsonaro,  ameaçou com a volta da ditadura.

Quem quiser acreditar que o governo tem um lado “bom” e um lado “ruim”, que o faça. Mas as fantasias foram rasgadas, as máscaras caíram e a face horrorosa do governo está exposta para quem quiser ver.

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Alguns fatos mostrando que o “Posto Ipiranga” nivelou-se ao que há de pior no governo, se é que algum dia esteve acima do rodapé moral que qualifica Bolsonaro. Ele ainda não chegou aos píncaros de seu chefe, como pode se ver pelos últimos vomitórios de Bolsonaro, mas, com sua competência de áulico disciplinado, ele chega lá.

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2019 – AGOSTO. Um internauta posta a foto de Bolsonaro com a primeira-dama Michelle, de 37 anos. No mesmo post, ele faz uma montagem com o presidente francês Emmanuel Macron ao lado de sua mulher, Brigitte, que tem 66 anos de idade. No texto, o internauta escreve: “Entende agora por que Macron persegue Bolsonaro?” O presidente responde ao seu fã com um comentário imbecil: “Não humilha, cara Kkkkkk”. A repercussão internacional foi vergonhosa para o Brasil.

2019 – SETEMBRO.  Em palestra na Fiec (Federação das Indústrias do Ceará), Guedes sentiu-se na obrigação de puxar o saco de Bolsonaro. Saiu-se com esta: “O presidente falou mesmo, e é verdade, a mulher (de Macron) é feia mesmo”.  A plateia, a nata do empresariado cearense, ri e aplaude.

2019 – NOVEMBRO. Em entrevista à Folha de S. Paulo, ao defender o sistema de capitalização da Previdência (que levou à miséria os aposentados no Chile), Guedes atacou os pobres: “Com ele (sistema de capitalização), você colocaria o Brasil para crescer, aumentaria taxa de poupança, educaria financeiramente famílias mais pobres. Um menino, desde cedo, sabe que ele é um ser de responsabilidade quando tem de poupar. Os ricos capitalizam seus recursos. Os pobres consomem tudo”. (O que Guedes não sabe – ou melhor sabe, mas não tem compaixão – é que o salário dos pobres mal dá para pôr comida na mesa, sem falar nos milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza.)

2019 – NOVEMBRO. Em entrevista à jornalista Leda Nagle, o deputado Eduardo Bolsonaro ameaçou com a implementação de uma ditadura (um novo AI-5), caso a esquerda resolvesse “radicalizar” a sua política. 

2019 – DEZEMBRO. Não demorou muito para Paulo Guedes dar uma declaração reforçando a ameaça do filho do seu chefe. Em entrevista coletiva, quando estava em Washington, Guedes foi questionado sobre a declaração de Eduardo. Respondeu que seria “inconcebível” um novo AI-5, porém não muito, como se pode avaliar pela declaração dele: “Sejam responsáveis, pratiquem a democracia. Ou democracia é só quando o seu lado ganha? Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo para quebrar a rua? Que responsabilidade é essa? Não se assustem se alguém então pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?” (Tradução: aceitem quietinhos e calados o projeto que eu quero implementar ou nós chamamos os tanques.)

2019 – DEZEMBRO. Guedes promete, em entrevista, que o governo terá programas sociais fortes, mas alertou: “Não olhe para nós procurando o fim da desigualdade social. Nos dê um tempinho. Nossa tentativa é diferente”.  (Nós sabemos qual é a alternativas: favorecer a elite empresarial, banqueiros e rentistas, submetendo os pobres ao arrocho. Hoje e existe uma fila de um milhão de famílias que têm direito, mas não conseguem ingressar no Bolsa Família. No INSS, mais de um milhão de velhos esperam em uma fila interminável na tentativa de conseguir a aposentadoria.)

2020 – JANEIRO. No Fórum Econômico de Davos (Suíça), tentando justificar o desastre que é a política ambiental do governo Bolsonaro, Guedes culpou os pobres: “O pior inimigo do meio ambiente é a pobreza. As pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer. Eles (os pobres) têm todas as preocupações que não são as preocupações das pessoas que já destruíram suas florestas, que já lutaram suas minorias étnicas, essas coisas… É um problema muito complexo, não há uma solução simples”.  (Ele sabe – mas não pode contrariar o chefe – que o meio ambiente é devastado pelo desmatamento, pelo avanço ilegal da agropecuária em área de proteção, entre outros crimes, que nada tem a ver com os pobres.)

2020 – FEVEREIRO. Em palestra na Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas, Guedes disse o seguinte, referindo-se aos funcionários públicos: “O hospedeiro (o governo) está morrendo, o cara virou um parasita, o dinheiro não chega no povo e ele quer aumento automático”. (Parasitas são os banqueiros, a quem Guedes serve, que tem lucros escandalosos em qualquer circunstância – economia indo bem ou mal – devido aos privilégios que o setor desfruta no Brasil.)

2020 – FEVEREIRO. Falando em evento privado, tentando justificar a alta do dólar, Guedes preferiu humilhar as empregadas domésticas: “Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Vamos importar menos, fazer substituição de importações, turismo. (Era) todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para a Disneylândia, uma festa danada. Peraí”. (A imensa maioria das empregadas domésticas não viaja para a Disney, mal tem dinheiro para as necessidades básicas da família. E, se elas tiverem dinheiro e quiserem viajar é um direito inalienável delas. A frase revela o preconceito de um elite brutal e mesquinha – ao estilo casa grande e senzala – que não tolera ver pobres frequentando lugares que ela pensa pertencer exclusivamente aos ricos.)

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