Na fala, a palavra que digo ou me escapa está dita. Não há como fugir ao fato. Mas na escrita posso apagá-la, suprimi-la ou substituí-la. No ato de escrever sinto-me dono de meu próprio texto. Posso mudá-lo a qualquer momento, destruí-lo até. Quando, porém, ele ganha mundo, quando passa ao domínio público, sinto que me fugiu, emancipou-se, escapou de meu alcance. Uma sensação muito viva e estranha: a de só agora ver a cara de meu filho ao mesmo tempo que dele me despeço; vê-lo cair na vida, ausentar-se entregue à indiscrição de quem não conheço, a destinos que fogem a meu controle. Talvez à chacota e ao desprezo, talvez à acolhida amiga, à simpática oportunidade de ser útil a alguém. É isso que faz dramático meu ato de escrever, e cheio de surpresas, de temores e alegrias.

Mario Osorio Marques

[Marques, Mario Osorio. Escrever é preciso: o princípio da pesquisa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 27.]

Desde que comecei a escrever para este blog tenho vivido algumas situações que me têm surpreendido. Isso tem acontecido especialmente quando pessoas me interpelam para fazer algum comentário sobre um ou outro texto postado por mim. Há vários motivos que podem levar uma pessoa a se dedicar ao ofício da escrita, mas um, parece-me, sobressai entre todos os possíveis por ser o fundamento mesmo do ato de escrever: uma pessoa escreve para ser lida.

Recordo que li certa vez, não me recordo onde, um comentário de alguém que dizia que até mesmo um diário, que supostamente é escrito apenas por questões de foro íntimo, quem o escreve o faz porque tem a secreta esperança de um dia vir a ser lido. Portanto, mesmo um diário destina-se a ser lido por outrem.

Acontece que mesmo se escrevendo com o intuito de ser lido, ainda assim, resta sempre, parece-me, um que de surpresa ao saber que alguém leu o nosso texto. É o que me tem ocorrido nos últimos dias. Quando alguém me interpela e diz: “Tenho lido os textos do seu blog”, e para por aí, é inevitável que algumas questões se imponham a mim, tais como: o que pensará esta pessoa dos meus textos? Como será que ela reage às minhas idéias? O que pensará do meu estilo? Será que, de alguma forma, lhe é útil o que escrevo? E se tudo, afinal, não passar de um desses comentários que se faz meio ociosamente, digamos assim, sem outro propósito a não ser o de agradar ao nosso interlocutor?

Creio que a relação que se estabelece entre o escritor e o leitor seja uma das mais singulares formas de diálogo que se possa elencar no rol da experiência humana. Diálogo pressupõe conversa entre as partes envolvidas. Paradoxalmente, porém, o diálogo entre quem escreve e aquele ou aquela que o lê se dá em silêncio, mediado apenas pelo texto. Entre o silêncio do escritor e o silêncio do leitor se interpõe o texto. É pelo texto que fala o autor e é igualmente pelo texto que fala o leitor. Somente pela interpretação que faz daquilo que lhe chega pela escrita é que o leitor ganhará voz nessa curiosa relação. 

Dois fatos ocorridos na ultima semana motivaram as reflexões feitas aqui. Primeiro, quando uma amiga chegou em minha casa e disse que, desde que soube deste blog, tem imprimido sempre os textos e lido com seu esposo. E completou: “Também tenho levado para mamãe ler aos domingos. No último domingo ela falou: ‘Diga ao Vasco que eu mandei uma frase de um texto dele para um padre que é meu amigo, mas eu pus a frase entre aspas’”. A primeira questão que me ocorreu foi: que frase terá sido essa e o que terá pensado o tal padre?

O segundo fato, que me deixou igualmente surpreso, ocorreu no sábado quando escrevia o texto que postaria no domingo e, indo à cozinha para pegar um café, minha esposa, Naza, falou que uma amiga comentara com ela que gosta muito do meu estilo de escrever. 

Na verdade, ainda me causa surpresa saber que alguém se dispõe a gastar um pouco do seu tempo lendo o que escrevo. É um sentir-se acolhido de que, talvez, não me sinta merecedor.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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