Na manhã seguinte, prosseguiram viagem pelo mesmo caminho. Enquanto seguiam, Hermas dirigiu-lhe a palavra: “Não tens ainda um nome, porque dele não te fizeste ainda merecedor. Um nome não se ganha, conquista-se. E não conquistaste ainda o teu. Não te iludas, no entanto.  Nunca te esqueças de que não depende exclusivamente de ti conquistar o almejado nome. Este é também, em certa medida, dom, e um dom é sempre gratuito.”

Aquelas palavras o deixaram perturbado. Até que ponto, afinal, era ele responsável pela conquista do nome? Atribuía a si toda responsabilidade pela conquista, mas eis que Hermas, o Pastor, acenava-lhe agora com uma nova possibilidade. Mas uma possibilidade que o deixava numa encruzilhada: se a conquista do nome era em parte responsabilidade dele e, em parte, fruto de um dom, que medida lhe cabia nessa enigmática situação?

Estava desapontado, decepcionado consigo mesmo. Porque aquele homem pensava que era capaz de tudo, ou de quase tudo. Comportava-se como uma espécie de super-herói a quem fora dada a incumbência de salvar o mundo. Mas, se ele não conseguia salvar nem a si mesmo? Ainda assim, atribuía a si ares de grande importância. As palavras de Hermas, porém, lançaram por terra boa parte de suas certezas acerca do processo iniciático em andamento.

“Vejo que minhas palavras te causaram incômodo. Melhor assim. Não te perturbes. A maturação deve acontecer no íntimo de ti mesmo. Devo recordar-te que aos impacientes não é concedido qualquer acesso aos grandes mistérios. Uma escuta atenta e a paciência para que as palavras provoquem a necessária transformação constituem condições primordiais e indispensáveis para galgar o nível de saber por ti almejado”, disse Hermas.

Paciência. Nenhuma palavra seria tão incômoda para aquele homem. “Paciência”, murmurou entre dentes de si para si. Não ousava ainda dizer nada. Paciência. Paciência. Paciência. Até no andar aquele homem era impaciente. Recordou que certa vez, há muitos anos, enquanto caminhava com uma amiga em direção a um restaurante, esta lhe perguntara à queima-roupa: “Tens pressa de viver?” Ao que ele retrucou, surpreso: “Por quê?” A resposta foi imediata: “Pelo teu modo de caminhar, parece que tens pressa de viver”. Profundamente impressionado e, mais que isso, surpreso pela observação, passou anos remoendo o fato. Ali, enquanto caminhavam para Tagaste, passados mais de vinte anos, a observação intempestiva voltava-lhe à mente. “Pressa de viver”. Parece que ele tinha mesmo pressa de viver.

Uma oliveira que margeava a estrada despertou-lhe a atenção. Fê-lo lembrar de uma história que um condiscípulo lhe contara, de que o Mestre a cuja morada se dirigiam tinha por costume conversar com seus discípulos sob uma centenária oliveira. Seria aquela visão um sinal a lhe indicar que dentro de pouco mais de cinco dias teria o almejado encontro com o Mestre?

Porque uma coisa era certa: aquele homem, devido aos longos anos de busca, aprendera a ler os sinais. Olhou para o lado para observar a reação do companheiro de jornada. A Hermas, pareceu-lhe, a presença da velha oliveira à margem da estrada passara incólume. “Que coisa, essa minha mania de ver sinais em tudo. Até numa inocente árvore à margem da estrada eu vejo sinais!”, murmurou para si mesmo.

Quando o sol já declinava, avistaram algumas tendas que abrigavam famílias de tuaregues. Aproximaram-se de uma delas e ali encontraram comida quente e um teto para pernoitar. Já noite, ficou a cismar fitando o belo céu estrelado do deserto. Olhar para aquele céu e pensar no infinito causava-lhe vertigem. Sentiu-se tão pobre, tão só, tão desolado. Aquele era um homem que seguia. Para onde? Nem ele sabia.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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