Capela da Reconciliação. Fátima, Portugal. Foto do autor

Capela da Reconciliação. Fátima, Portugal. Foto do autor

Lugar de reconciliação com Deus, o Santuário de Fátima deve ser ocasião de abertura à caridade, numa Igreja-comunhão, pela reconciliação, cada vez mais profunda, com os irmãos. Quem se sente perdoado aprende a perdoar; quem experimenta a profunda paz da reconciliação com Deus fica com o desejo de ser obreiro de paz e de fraternidade.

 

 

 

 

José da Cruz Policarpo

[Azevedo, Carlos A. Moreira; Cristino, Luciano (Coordenadores). Enciclopédia de Fátima. Estoril, Portugal: Princípia, 2007, verbete: Reconciliação, p. 444.]

Em dezembro de 1988 me encontrava em Massapê para os festejos natalinos. Lembro nitidamente de um início de noite em que, estando na sala diante da televisão, de repente fui surpreendido ao ouvir, de chofre, vindo da TV, uma voz que dizia apenas isso: “Revelado o segredo de Fátima”. A seguir, apareciam rapidamente imagens de um ambiente mobiliado como se fosse uma sala, agradável e espaçosa, e pronto, estava concluído. Nos dias seguintes, o mesmo fato se repetiu. Percebi logo que se tratava de uma campanha publicitária, mas não sabia ainda exatamente de que.

Passadas as festas, voltei para Fortaleza e esqueci o fato. Dois anos depois, sem que o tivesse planejado e tendo tudo acontecido de forma muito rápida e surpreendente, eu e Naza adquiríamos um apartamento num condomínio no Bairro de Fátima. Somente depois de ter adquirido o apartamento, me dei conta do nome: Segredo de Fátima. O empreendimento fora dividido em três prédios, sendo atribuído a cada um o nome de um dos pastorinhos que protagonizaram as aparições de Nossa Senhora. O meu se chama Edifício Irmã Lúcia. Da minha janela tenho uma vista maravilhosa da torre da Igreja de Nossa Senhora de Fátima. Tem uma frase de Pablo Picasso da qual me apoderei, porque ela expressa com tanta fidelidade certos fatos da minha vida, que não eu poderia encontrar outra mais perfeita e verdadeira: “Eu não procuro, eu acho”.

Minha relação com o mistério da encarnação de Cristo tem sido pautada por uma incessante busca, às vezes com insights maravilhosos, outras caminhando por uma estrada absolutamente escura, imerso totalmente no mistério e entregue ao mistério. Essa busca tem sido, toda ela, mediada pela figura sempre presente de Nossa Senhora. Quando fui agraciado com a oportunidade de ir a Fátima – mais uma vez, minha peregrinação aconteceu sem que eu a buscasse ou planejasse -, fi-lo como um peregrino que vai em busca do segredo. Mas eu não buscava um segredo genérico; eu buscava o meu segredo. Indo a Fátima eu tinha em mira a revelação do segredo que Nossa Senhora tinha para me revelar. Mas até que ponto queremos, de fato, que o segredo nos seja revelado, aquele segredo que nos está reservado e do qual depende darmos conta da missão que foi confiada a cada um de nós? 

Em 1980, quando João Paulo II esteve na Alemanha, muitos peregrinos lhe perguntaram sobre o segredo de Fátima. Após a visita, sua resposta foi publicada no jornal Stimme des Glaubens. Disse o pontífice:

“Muitas pessoas gostariam de conhecer o segredo só pelo sensacionalismo. Esquecem-se, porém, que com o conhecimento vem a responsabilidade… Não se preocupam em fazer alguma coisa para evitar os tempos de infortúnio que são iminentes – e essa é uma atitude perigosa… Rezem, rezem – e não indaguem mais. Todo o resto deve ser confiado à Santa Mãe de Deus” (citado em: Swann, Ingo. As grandes aparições de Maria: relatos de vinte e duas aparições. Tradução de Barbara Theoto Lambert. – 3ª. ed., São Paulo: Paulus, 2006, p. 212).

De fato, uma vez que se tenha tomado consciência do segredo, não há mais volta. A responsabilidade que isso implica é muito grande, e poucos se dispõem a arcar com o ônus. É por isso que muitas pessoas preferem viver num estado de semi-inconsciência. Mas talvez haja uma recompensa para os que se arriscam, para quem ousa dar o grande salto, confiante no segredo. Nesse caso, digo, para os que resolvem arriscar, tomar Nossa Senhora como medianeira revela-se estratégia infalível.

No Diário da Alma, a autobiografia do Papa João XXIII, o Papa Bom fez uma afirmação quando ainda era seminarista. Por saber da veracidade das palavras ali escritas, quero citá-las aqui como conclusão desta série de textos sobre as aparições de Nossa Senhora de Fátima: “E farei, além disso, tudo por Maria, e Maria do rosário me ajudará a conseguir tudo; ela é poderosa e terrível como um exército em ordem de batalha. Senhora, salva-me” (João XXIII. Diário da Alma. Ao cuidado de Loris F. Capovilla. Tradução de Margarida Maria Osorio Gonçalves e A. Maia da Rocha. São Paulo: Paulus, 2000, p. 68).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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