Depois da visita de Dom Cristiano, me coloquei numa posição de expectativa. Fiz tudo conforme ele sugerira, sem saber ao certo o que se seguiria. Esta manhã, enquanto meditava, senti mais uma vez um suave perfume invadir o recinto da biblioteca. Era o mesmo odor que sentira dois dias atrás. Somente então me dei conta de que, ao escrever sobre o episódio, anteontem, eu me equivocara quanto ao perfume: na verdade, não se tratava de um perfume de jasmim, mas de seiva de alfazema. Dessa vez o odor me pareceu um pouco mais intenso, talvez por isso me tenha dado conta da fragrância. Ao odor, se seguiu a sensação de uma suave brisa que fez ondular discretamente a manta que sempre uso quando medito. Abri os olhos e olhei para o relógio: eram 6 horas e 21 minutos.

Então, mais uma vez, divisei o vulto agora mais facilmente identificável. Dom Cristiano entrou saudando-me com um aceno de mão. Atrás dele vinha um homem trajando uma batina de cor bege. “Bom dia, meu filho”, falou Dom Cristiano dirigindo-se a mim. “Quero lhe apresentar um amigo muito especial que, a partir de hoje, o ajudará em sua peregrinação pelo Caminho. Este é o Padre A. R., mas ele prefere ser tratado por Padre Rotundus, nome que lhe foi atribuído por seus alunos”. Feita a apresentação, foi a vez de Padre Rotundus se dirigir a mim: “Fico feliz em estar aqui. Você pensa que somente agora lhe estou sendo apresentado, mas, de fato, fui apresentado a você há dois dias”. Fiquei intrigado com a observação de Padre Rotundus, mas não questionei.     

Dom Cristiano, dando um passo à frente, se aproximou do birô, se dirigindo a mim com as seguintes palavras: “Vejo que desde que Artaban apareceu por aqui você não mais retomou os temas de que vinha tratando quase diariamente em seu blog. Você não está agindo corretamente procedendo dessa maneira. Retome sua rotina e volte a postar os textos como vinha fazendo antes. Não se deixe impressionar com as aleivosias de Artaban. Por enquanto, ele lhe é necessário, mas não lhe atribua um valor além do merecido. Apenas tenha o cuidado para não lhe ser totalmente indiferente. Aconselho-o a pegar o volume III das cartas de Jung e ler com atenção a correspondência enviada ao pastor Morton Kelsey, da qual Artaban leu um trecho em voz alta na última vez que aqui esteve. Sugiro-lhe, ainda, que leia a 2ª. Epístola de São Paulo aos Coríntios, capítulo 12, versículo 7. Isso o ajudará a refletir sobre o demônio meridiano. A propósito, aliás, vale para ele o mesmo que eu disse sobre Artaban: dê-lhe apenas a atenção necessária, sem lhe atribuir demasiada importância. Recomendo-lhe não encará-lo de frente, mas agir estrategicamente em relação a ele. Quanto a isso, oportunamente você será instruído pelo Padre Rotundus; portanto, não se preocupe, você está bem assistido”.

Ditas essas palavras, Dom Cristiano estendeu-me a mão para que beijasse sua aliança, ambos me fizeram um aceno e caminharam em direção à porta, desaparecendo logo a seguir. Uma grande surpresa, porém, me estava reservada ainda. Quando eles saíram, peguei minha Bíblia para ler o versículo sugerido por Dom Cristiano. Foi aí que aconteceu algo que me deixou maravilhado.

Dois dias atrás, estando um colega de trabalho catalogando alguns livros, eis que de repente ouço dele a seguinte observação: “Ah! Algum devoto do Padre Rotundus andou lendo este livro”. Movido pela curiosidade, me dirigi ao birô do meu colega. Ele então me mostrou um santinho com uma efígie de um padre que eu nunca tinha visto. Abaixo da foto estava escrito: Pe. A.R. Meu amigo me forneceu algumas breves informações sobre a vida do reverendo. Perguntei-lhe se podia ficar com o santinho, ao que ele respondeu afirmativamente.

Chegando em casa, coloquei-o dentro da Bíblia e não pensei mais no assunto. Pois eis que há pouco, ao verificar com mais vagar o santinho, encontrei ali a informação de que Padre Rotundus falecera no dia 17 de março de 1966. Ocorre que, anteontem, dia em que se passou o episódio em que meu amigo me entregou o santinho, foi 17 de março. Realmente, o reverendo tinha razão: ele me fora apresentado anteontem. E pensar que mesmo ante fatos tão explícitos como esse, ainda me aparece um sujeito da estirpe de Artaban com essa conversa de que a sincronicidade é uma falácia.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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