Único, ele o é no sentido de que todas as coisas de maneira sintética na transcendência de uma só unidade, e de que produz todas as coisas sem para isso sair de sua própria unidade. Nada existe que não participe do Uno, mas, assim como todo número participa da unidade numérica e se diz uma díade, uma década, um meio, um terço e um décimo, assim também todo ser e toda porção de ser participam do Uno, e é preciso que todo ser seja uno para existir como ser. Este Uno, causa universal, não é, entretanto, a unidade de várias realidades, porque precede a distinção mesma da unidade e da pluralidade e é ele quem define ao mesmo tempo unidade e pluralidade. Não existe nenhuma pluralidade que não participe da unidade, porque tudo o que é múltiplo pelo número de suas partes permanece uno se o considerarmos em seu conjunto; o que é múltiplo pelo número de seus acidentes permanece uno enquanto substância; o que é múltiplo aritmeticamente ou pelo número de suas potências permanece uno do ponto de vista da forma; o que é múltiplo pelo número de suas formas pertence apenas a um só gênero; o que é múltiplo pelo número de seus processos procede de um só princípio. Nada, consequentemente, existe que não participe de certa maneira da unidade Daquele que contém antecipada e sinteticamente a totalidade universal, sem excetuar os próprios opostos, que nele se reduzem à unidade. Sem a unidade, a multiplicidade não existiria; sem multiplicidade, ao contrário, a unidade permanece possível, assim como a unidade numérica precede toda multiplicidade dos números. Se, enfim, se supõe que tudo está unido a tudo, o total forma uma só unidade.

É preciso saber, além disso, que as realidades unidas não se unem, diz-se, a não ser em virtude de uma forma única concebida antes e própria de cada uma, e que a unidade constitui o princípio elementar de cada coisa. Tirai a unidade, e não se terá mais nem o todo nem a parte, nem nada de tudo, porque é na própria unidade que preexistem sinteticamente todas as coisas. É porque a teologia celebra a Tearquia tomada na sua totalidade como causa universal sob o nome Única. O Pai é Deus único, Jesus Cristo o único Senhor, e não existe senão um só e único Espírito, em virtude da transbordante indivisibilidade desta total Unidade divina onde tudo está reunido sinteticamente em uma unificação que transcende toda unidade, em uma supra-essencial preexistência. Portanto, tem-se razão de juntar e confrontar todas as coisas a esta Unidade divina, de quem, em quem e para quem existem todo ser, toda ordem, toda substância, toda plenitude e toda conversão.

Pseudo-Dionísio, o Areopagita

[Pseudo Dionísio, o Areopagita. Obra completa. Tradução Roque Aparecido Frangiotti. – São Paulo: Paulus, 2004. Os Nomes Divinos, Cap. 13: Sobre o Perfeito e o Único, p. 124. – (Educadores da humanidade).]

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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