Voltando ao segundo ponto, não somos anjos, pois temos um corpo; querer ser anjo estando na terra – ainda mais do modo como eu estava – é um disparate, devendo-se ter um apoio material para o pensamento; ainda que algumas vezes a alma saia de si ou ande tão plena de Deus que não precise de coisas criadas para atingir o recolhimento, isso não é algo tão comum; quando não é possível ter tranquilidade, quando se anda às voltas com negócios, perseguições e sofrimentos, e em tempo de aridez, Cristo é um amigo muito bom, porque O vemos Homem, com fraquezas e sofrimentos, e permanecemos em Sua companhia; e, quando nos acostumamos, encontramo-Lo com facilidade junto a nós, embora haja dias em que não conseguimos nem uma coisa nem outra.

Santa Teresa D’Ávila

[Teresa de Jesus. Obras Completas. Texto estabelecido por Fr. Tomas Alvarez, O.C.D. Direção Pe. Gabriel C. Galache, SJ. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e outros. – São Paulo: Edições Carmelitanas: Edições Loyola, 1995,p. 145.]

O domingo de ramos é sempre um dia propício a reflexões. Esse dia marca o início da Semana Santa. Esta manhã, enquanto fazia minhas orações, refletia sobre o grande mistério da encarnação de Cristo. Penso que, para quem se afirma cristão, esse seja, provavelmente, o mistério por excelência. Apesar de todas as minhas tentativas, Cristo afigura-se para mim ainda como um grande e arrematado enigma. Tenho me convencido sempre com mais intensidade de que tal enigma não pode ser resolvido de forma meramente racional. Com isso quero dizer que é algo de uma natureza tão grandiosa e transcendente que não adianta tentar dar uma resposta ao enigma por meio do conhecimento formal. Afirmar eu creio porque quero crer, porque decidi crer, está longe de ser suficiente. Essa resposta tem que ser existencial, algo que toque profundamente todo o ser, ou não será uma resposta satisfatória. Nessa infindável busca, tenho encontrado em alguns mestres luzeiros que vão me iluminando a difícil e infindável jornada. Dentre tais mestres, sobressai Santa Teresa D’Ávila, que, por ter existencialmente experimentado Cristo tanto em seu aspecto divino quanto humano, pode balizar com segurança as várias etapas que se terá que percorrer para chegar ao almejado encontro,  embora, de saída, ninguém tenha nenhuma garantia de que será agraciado com esse encontro.

 

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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