Quando alguém chega à meia-idade, ou, melhor dizendo, ao meio da vida, em geral a existência desta pessoa está organizada em padrões psicológicos conhecidos, é como se ela estivesse protegida pela família e o trabalho. De repente acontece a crise: um dia a pessoa acorda e percebe que está sem gás; a posse e o controle sobre a própria vida soam inoperantes; o doce sabor da conquista parece amargo; os velhos padrões de atuação doem como calos nos pés. A habilidade de valorizar as próprias conquistas – os filhos, o trabalho, as posições de poder, as vitórias – parece ter sido roubada, e a pessoa fica se perguntando o que foi que lhe aconteceu do dia para a noite. Aonde teriam ido parar todas aquelas coisas que lhe davam segurança, paz e sossego?

Murray Stein

[Stein, Murray. No meio da vida: uma perspectiva junguiana. Tradução Paula Maria Dip. – São Paulo: Paulus, 2007, p. 15. (Coleção amor e psique).]

Na semana passada postei neste blog um texto em que trato do tema da crise da meia-idade. Falei dos sentimentos difusos e contraditórios que a maioria das pessoas experimenta quando chega este momento da vida. A sensação mais preponderante é de vazio, de falta de sentido, que, nos casos mais extremos, pode precipitar uma crise depressiva. Apesar do caos em que a pessoa imerge, porém, o momento pode ser auspicioso, dependendo de como a situação for conduzida.

Uma vez soada a sirene, o alerta, o primeiro raciocínio que a pessoa faz é o seguinte: do jeito que tenho vivido não posso continuar. Decorre desse pensamento a conclusão de que algo precisa ser mudado, e é aí que as coisas se complicam, porque, na maioria das vezes, a pessoa intui que precisa mudar, mas quase sempre não tem muita certeza quanto a que aspecto de sua vida precisa ser modificado. As hipóteses se sucedem, sendo as duas áreas mais comuns o casamento e o trabalho. E, de fato, quase sempre um ou outro, quando não os dois, é afetado nessa etapa da vida. As primeiras alternativas, portanto, são: romper o casamento e procurar outro(a) parceiro(a) e/ou mudar de atividade profissional.

As coisas, porém, não são tão simples. Assumir uma nova relação ou mudar de atividade profissional nem sempre resolve a situação. O que está em jogo é algo muito mais profundo, e uma simples troca poderá não solucionar o problema. Na verdade, o que é exigido nesta fase da vida é uma mudança de atitude. Não restam dúvidas de que há casos em que a vida afetiva ou profissional da pessoa se encontra tão estagnada, que não resta outra alternativa senão romper. No entanto, não é sempre assim.

O que é exigido nesta fase é muito mais uma ressignificação da vida, com tudo o que isso possa implicar de mudança de atitude. Jung insiste em afirmar que todos os casos de crise da meia-idade que ele tratou tinham como núcleo o anseio por um sentido espiritual para a vida. A busca de um esteio no qual o pessoa possa, a partir de então, ancorar sua existência de forma a encontrar para ela um sentido é a grande meta da segunda metade da vida.

Para quem tem um credo religioso e consegue ressignificar sua busca na perspectiva de tal credo, provavelmente a travessia se dê de uma forma mais tranquila, digamos, menos caótica. Isso, porém, já não é tão comum. Vivemos numa sociedade altamente secularizada em que as religiões tradicionais já não respondem satisfatoriamente a este anseio, ao contrário do que acontecia antes. Isso cria algumas dificuldades para quem está imerso na busca por algo que confira um novo sentido à vida. Nem tudo, porém, está perdido. Para quem se entrega integralmente à busca, o próprio inconsciente se encarrega de, gradativamente, ir fornecendo as pitas que devem ser seguidas, basta permanecer atento e aberto que, a seu tempo, portas se abrirão.

É necessário não esquecer, porém, que, nesta fase da vida, talvez seja necessário mesmo chutar o pau da barraca. Mas apenas destruir a barraca não resolverá a situação. É preciso reconstruir uma nova barraca, provavelmente mais bela, em que possamos nos instalar confortavelmente enquanto aguardamos o outono da vida chegar.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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