O lugar a ser encontrado está dentro de você mesmo. Aprendi um pouco, a respeito, no atletismo. O atleta que está em excelente forma tem um ponto de quietude dentro de si mesmo, e é ao redor disso, de um modo ou de outro, que sua ação se exerce. Se estiver todo projetado lá fora, no campo ou na pista, ele não conseguirá um desempenho adequado. Minha esposa é bailarina e diz que isso é verdade na dança, também. Existe um centro de quietude, interior, que deve ser conhecido e preservado. Quando você perde esse centro, entra em tensão e começa a cair aos pedaços.

Joseph Campbell

[Campbell, Joseph com Moyers, Bill; org. por Betty Sue Flowers. O poder do mito. Tradução de Carlos Felipe Moisés. – São Paulo: Palas Athena, 1990, p. 171.]

Vivemos numa cultura da dispersão. Somos o tempo todo bombardeados por uma quantidade absurda de informações que nos entram por todos os poros. O excesso de informação com que convivemos nos tempos atuais chega a ser enlouquecedor. Uma de suas consequências é que, à revelia de nós mesmos, ou seja, sem que nem mesmo nos demos conta, somos arrastado num furioso turbilhão que nos impele a prosseguir numa louca correria sem sabermos ao certo aonde queremos chegar. Em virtude das exigências e solicitações a que somos submetidos ao longo de nosso atribulado cotidiano pode-se afirmar que nossa cultura é uma cultura neurotizante.

Se assim é, resta a indagação: onde ancorar o nosso ser, de modo que possamos encontrar um ponto de relativo equilíbrio e estabilidade que nos sirva como esteio para fazer face a tanta dispersão? Na série de entrevistas que o grande mitólogo norte-americano Joseph Campbell concedeu ao jornalista Bil Moyers, de que resultou o documentário “O poder do mito”, posteriormente convertido em livro, encontramos uma possível resposta. Ao comentar a jornada mítica do herói, que não é outra coisa senão a trajetória cumprida por todo ser humano ao longo de sua vida, ele afirma que o lugar que o herói busca é, em última instância, o centro de si mesmo. É esse o lugar que todos nós devemos nos esforçar por encontrar.

Não é, porém, essa, uma tarefa fácil. A exemplo do que afirma Campbell, essa jornada em direção ao centro de si mesmo constitui uma verdadeira saga, expressada ao longo dos milênios em diversas culturas através do mito do herói.

O que é, exatamente, esse tal mito do herói? Quando Campbell fala do herói está se referindo, quase sempre, àquelas figuras retratadas nas narrativas míticas que têm como característica comum o fato de, em determinado momento, saírem de casa rumo a uma terra distante em busca de algo  muito valioso. Mas esse heróis de que falam os mitos, deve-se esclarecer, somos todos nós. Na perspectiva de nossa vida particular, cada um de nós, em determinados momentos, se comporta como o herói mítico, encetando sua própria aventura, arrostando dificuldades e enfrentando obstáculos em busca de sua ansiada Terra Prometida.

Em alguns casos, a pessoa realmente sai de casa. São muitas as pessoas que, em determinado momento de sua vida, sentem o forte imperativo de fazer uma viagem na esperança de que encontrem algo que dê sentido à sua vida ou que modifique a rotina que muitas vezes já se tornou asfixiante. Quanto a isso, não se pode negar que essas viagens podem se revestir, de fato, de grande significado. Entretanto, por mais viagens que realize, ou por mais distante que alguém vá em busca de sua Terra Prometida, mais cedo ou mais tarde haverá de concluir que o centro do mundo que ela procura, a montanha encantada ou a ilha paradisíaca onde, enfim, descansará seus pés fatigados pela longa travessia, está dentro de si mesmo.

O centro do qual ninguém nos consegue tirar, aquele que, uma vez solidamente estabelecido nada consegue abalar, só pode ser encontrado dentro de nós mesmos, no âmago do nosso coração. É aí que está a fonte, a grande fonte de onde brota toda energia, todo o élan vital capaz de dar sentido e significado à vida.

Aquietar o corpo e a mente durante alguns minutos no começo ou no final do dia, deixando-se ficar em silêncio e no escuro ou à meia-luz pode ser um bom exercício para quem está em busca desse centro. Viver é uma aventura grandiosa e bela, e viver sob a perspectiva do herói que encena um grande mito do qual é o personagem principal só tornará a vida mais bela e mais digna de ser vivida. Procurar se manter sempre mais centrado é uma boa alternativa para quem quer tomar consciência do mito que está vivendo, e do qual talvez não tenha ainda se apercebido.

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles