Mi gallejo, mira quién llama./ _ Angeles son, que ya viene el alba.

Santa Teresa de Jesus

[Teresa de Jesus. Obras Completas. Texto estabelecido por Fr. Tomas Alvarez, O.C.D. Direção Pe. Gabriel C. Galache, SJ. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e outros. – São Paulo: Edições Carmelitanas: Edições Loyola, 1995, Al Nacimiente del Niño Dios, p. 990]

Aquele som peculiar que eu há muito não escutava ressoou suave aos meus ouvidos. Era manhã e chovia muito, o que fez com que os dois ritmos se misturassem produzindo uma suave melodia: lá fora o barulho dos grossos pingos d´água, cá dentro o tilintar de sinos. Estava de cabeça baixa, em atitude reflexiva, quando um vulto assomou à porta da biblioteca. Ergui os olhos e ele, estendendo a mão num cumprimento, me fitou sorridente. Que alegria senti naquele instante! Há tanto tempo não via meu querido Mestre! Pois lá estava ele, Dom Cristiano, meu amparo nas horas de dúvida e indecisão.

Fiquei tão feliz quanto surpreso. De fato, eu não o esperava, pois da última vez que nos vimos ele avisara que não retornaria nos próximos meses. Mas agora ele estava ali, bem à minha frente. Antes que eu pronunciasse qualquer palavra, ele próprio tomou a iniciativa e falou: “Minha aparição por aqui hoje lhe causa surpresa?”  Respondi: “Pois! É claro!, como não?” Redarguiu Dom Cristiano: “Resolvi antecipar minha visita porque percebi que isso era necessário nesse momento. Houve de tua parte mudança de planos, e isso requer algumas novas instruções. Deves retomar a leitura da correspondência de Santa Teresa. Hoje quero que leias inicialmente as cartas 260 e 261, concluindo, depois, com as de número 38 e 39. Por fim, há uma mensagem para ti na pagina 990”.  

Sem questionar sua instrução de leitura, falei: “Quinta-feira passada um amigo perguntou pelo senhor”. “Eu sei”, disse Dom Cristiano, “na verdade, aquela pergunta inesperada do amigo, que tanto lhe surpreendeu, foi uma espécie de antecipação da visita que eu lhe faria hoje”. Esbocei um sorriso meio sem graça quando ouvi que ele já sabia que eu e um amigo havíamos falado dele há alguns dias. Achegando-se um pouco mais próximo a mim, Dom Cristiano ergueu a mão e falou: “Você deve agora retomar, juntamente com a correspondência,  a leitura do Livro Vermelho. Ele ainda tem muito a lhe revelar. Agora devo ir, mas adianto-lhe que desta vez não me demorarei muito a retornar. Mas meu retorno, devo advertir, vai depender das conclusões que você tirar das leituras que recomendei hoje. Não se preocupe em me procurar, pois quando se fizer necessário, antes que você me  chame aqui estarei. Até outro dia, Vasco”.

Quando Dom Cristiano saiu fiquei tão feliz e, ao mesmo tempo, tão curioso com as leituras que ele me indicara que, imediatamente, me ergui da cadeira dirigindo-me rápido  à estante para pegar o volume das Obras Completas de Santa Teresa. Enigmas! Enigmas! Enigmas! Por que eu fui arranjar exatamente um Mestre que sempre me fala em enigmas?  Mas, querem saber uma coisa? O fato é que adoro os enigmas que Dom Cristiano me propõe. Eles dão um certo tom de mistério à minha iniciação, o que cai muito bem em uma pessoa que tem uma índole como a minha. Ler as quatro cartas propostas pelo Mestre foi um deleite. Passei um tempão, depois, anotando no Diário do Caminho minhas conclusões e uma série de associações de ideias que foram brotando à medida em que lia e relia as cartas. O momento culminante veio com a leitura do pequeno e gracioso poema Al Nacimiento del Niño Dios.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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