Era manhã de sábado e estávamos encerrando um encontro no qual faláramos da figura de Cristo e de como as pessoas o reverenciam hoje. Auditório lotado, plateia animada e sequiosa por discutir especialmente as projeções psicológicas quase sempre (eu diria sempre) presentes nas aproximações que os cristãos fazem à figura do Redentor. Em alguns momentos foram salientadas as formas supostamente infantis de veneração de Cristo. O fato é que, para a maioria das pessoa, ele encarna a figura do pai protetor e misericordioso pronto para socorrer até nas necessidades mais insignificantes.
Foi quando se falava disso que uma senhora se ergueu da plateia para indagar sobre o que fazer quando se trabalha em meio a comunidades carentes, entre pessoas totalmente desvalidas e esquecidas por uma sociedade a quem caberia lhes proporcionar um mínimo de condições que lhes permitisse viver dignamente. “O que fazer”, indagava aquela senhora, “quando se vive num meio em que a maioria das pessoas diante das condições sofridas e precárias da vida não encontram outra alternativa senão dizer ´Eu entrego nas mãos de Deus` ou ´seja feita a vontade de Deus´?”
Naquela plateia composta por cabeças bem-pensantes e esclarecidas não ficava bem admitir como sendo essa uma solução viável e adequada. Na verdade, proceder dessa maneira apenas revela uma atitude absolutamente arcaica e equivocada, pois, nesse caso, abre-se mão da própria responsabilidade pela mudança das condições da existência para atribui-la a Deus.
A essa questão seguiram-se outras, algumas mais ou menos no mesmo tom, outras de natureza diferente, mas todas tendo por foco temática semelhante. Em alguns momentos – ali desempenhando o papel de um dos conversadores, como ficou convencionado denominar a mim e ao outro colega que fora convidado para aquele bate-papo com a plateia -, devo ter me empolgado e rasgado o verbo falando do quanto as pessoas agem de forma infantil e arcaica quando buscam a Deus ou a Cristo.
Depois de diversas discussões e apartes, chegava-se ao final do evento. De tudo o que se falara ali, ficara mais ou menos explicitado que a pessoas esclarecidas cabe proceder como adultos, procurando se desvencilhar das formas arcaicas e infantis de religiosidade, de forma que possam ascender ao patamar de uma autêntica espiritualidade, verdadeiramente madura.
Aí chegou o momento do encerramento. A mediadora da mesa, representando a organização do Encontro Teológico, cumpriu o ritual de praxe, parabenizando e agradecendo à plateia e aos conversadores. Foi quando, já finalizando as palavras que punham fim àquela manhã tão agradável, aconteceu o inadmissível. Depois de dizer que o grupo haveria de promover outros encontros como aquele, abrupta e involuntariamente a mediadora concluiu com um inevitável “Se Deus quiser!”
Pronunciada a conhecidíssima fórmula, tão antiga quanto a história do cristianismo, foi só o tempo de se dar conta do que dissera para que, imediatamente, nossa simpática mediadora desse um discreto sorriso e repetisse, num tom de quem pede desculpas: “Se Deus quiser, estão vendo?”
Saí dali pensando no que acontecera. Por vários dias fiquei remoendo o fato, que vez por outra me voltava à memória. E sabem a que conclusão cheguei? Bem, a verdade é que há momentos em que não adianta querer posar de adulto, maduro ou o que quer que o valha, pois há circunstâncias na vida da gente em que não há nada mais apaziguador nem mais esperançoso do que um “Se Deus quiser”, mesmo quando pronunciado sem muita convicção.
Olá, seria correto utilizar o termo “infantis”? Na passagem bíblica em que Cristo fala “O Reino de Deus é das criancinhas”, não seria esta uma referência para que as pessoas tenham a atitude de querer conhecer ou descobrir algo novo do mundo, como fazem as crianças em sua infância? Talvez as pessoas em situação precária tenham perdido ou não tenham a capacidade de buscar o novo ou “a boa nova” para suas vidas. Nisto sim há um desafio para todos, das organizações religiosas e seculares, de buscar uma fórmula de fazer as pessoas saírem das suas culpas e desculpas, e assumirem a responsabilidade para suas vidas. Nesta fórmula penso que os elementos religiosos e das ciências não sejam mutuamente excludentes mas mutuamente complementares.
Caro Whermeson,
Antes de qualquer coisa, quero agradecer a você mais uma vez pelo acesso ao Sincronicidade e, especialmente, por sua sugestão, comentários e indagações. De fato, creio que Cristo tenha razão quando afirma que é necessário fazer-se criança para ter acesso ao Reino de Deus. No que toca ao que escrevi, sustento o ponto de vista de que, em qualquer busca religiosa restará sempre um que de infantilidade e arcaísmo. Nisso não vai qualquer crítica nem deve ser entendido em sentido pejorativo. Quero apenas salientar que os elementos infantis são fortemente determinantes das buscas religiosas de qualquer ser humano. Mas esse é apenas um ponto de vista, nesse caso, defendido por Freud e com o qual concordo, existindo, porém, outros que discordam dessa premissa.
Um grande abraço,
Vasco
Segue um link que achei interessante sobre a origem da palavra precária utilizada no texto: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=995997
A expressão involuntária “Se Deus quiser” faz parte da nossa dinâmica de mundo. Um olhar para o Divino nos promove muitas vezes uma perspectiva de impotência. Por outro lado, isso também nos mostra uma dimensão do “Pai” que tudo prover.
Meu amigo Carlos,
Concordo absolutamente com o seu ponto de vista.
Aquele abraço,
Vasco