“Crestomatia”, o moderno livrinho que sai hoje a lume, exige, antes de tudo, que lhe façamos a apresentação ao colendo professorado, à mocidade estudiosa de nossa terra. Qual a sua razão de ser? “Preencher uma lacuna” eis o lema de todas as obras congêneres, ao surgirem a público. Sem embargo, labora em erro bem grave, quem acreditasse preenchidos os claros de nossa biblioteca didática. Dia a dia, novas lacunas se abrem, que tresdobram proporcionalmente às exigências sempre crescentes da pedagogia escolar, às alterações dos programas, às inovações e melhoramentos da moderna metodologia.

Radagasio Taborda

[Taborda, Radagasio. Crestomatia: excertos escolhidos em prosa e verso dos melhores escritores brasileiros e portugueses. 29ª. ed. Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo: Globo, 1958, p. XXVII.]

O que motivou a escrever este texto foi um fato acontecido ontem na biblioteca do TRE, onde trabalho. Um colega se virou para mim e comentou que, ao ler um recorte de jornal contendo um texto intitulado Crestomatia em tempos de tablet, que ele afixara no mural da biblioteca, uma colega indagara dele o que quer dizer crestomatia. O comentário do colega me provocou de imediato a decisão: vou escrever um texto sobre a Crestomatia.

No Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa, de Antônio Geraldo da Cunha, encontramos a seguinte informação a propósito do vocábulo:  

Crestomatia: sf. coleção de trechos em prosa e/ou em verso. | chrestomathia 1850 | Do fr. Chrestomathie, deriv. do gr. crestomátheia, ‘estudo das coisas úteis’. [Cunha, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Assistentes: Cláudio Mello Sobrinho… [et. Al.]. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 227.]

O que popularizou o vocábulo no Brasil foi a publicação, em 1931, do livro Crestomatia: excertos escolhidos em prosa e verso dos melhores escritores brasileiros e portugueses, pelo professor gaúcho Radagasio Taborba.  Como o próprio título sugere, trata-se de uma antologia com textos em prosa e verso que abordam uma grande diversidade de assuntos tais como literatura, geografia, história, religião etc.

A Crestomatia do professor Radagasio  Taborda foi amplamente utilizada nas escolas durante décadas, e se suas edições são hoje objeto de disputa entre colecionadores e bibliófilos. Durante muitos anos alimentei o desejo de adquirir um exemplar de uma Crestomatia. Há sete anos, o Ronaldo Xavier, um garimpador de livros para quem não havia missões impossíveis em se tratando de conseguir obras raras, conseguiu para mim um exemplar da 29ª. edição da Crestomatia, publicada em 1958.

Dentre os muitos textos cuja leitura me proporcionam particular deleite há um que merece destaque especial, por isso aproveito o ensejo para transcrevê-lo aqui para os leitores do Sincronicidade.

                                                                             DISCURSO SEM VERBOS

                                                                                                            D. Antônio de Macedo Costa

     Primeira regra de estilo, uma das principais, e porventura a mais esquecida de todas: a naturalidade por oposição à afetação ridícula. Quanto autor no galarim da fama, réu deste delito, e quantos oradores aliás dignos de encômios pelos dotes singulares do seu engenho e imaginação, responsáveis perante a crítica sisuda por falta de uma nobre simplicidade no estilo e boleio de suas frases! Muita atenção, orador noviço, para este ponto capital. Nada de ornatos supérfluos, apegados como parasitas a cada palavra: miserável ouropel por cima de pensamentos muitas vezes ocos, sem solidez alguma, só para engano da vista de espíritos superficiais ou de mau gosto. Um brilho fosforescente e um deslumbramento passageiro, como o de um fogo de artifício, – tal o único mérito desses campanudos oráculos do púlpito cristão. Ideias, porém, sólidas, bem deduzidas, ordem rigorosa de raciocínio, doutrinas exatas, lealmente expostas, isso nunca!

     Não assim os Bossuet, os Bourdaloue, os Massillon, e todos os outros grandes modelos de eloquência do púlpito do grande século de Luiz XIV.

     Que nobre simplicidade!… que naturalidade sublime! Que opulenta sobriedade! Qual rio caudaloso por entre margens, ora severas e escarpadas, ora floridas e risonhas, mas sempre formosos de naturalidade, assim o pensamento desses famosos gênios por entre a frase, ora simples, ora mais ornada, sempre, porém, em relação com o assunto, cheia de graças ingênuas, de louçainhas despretensiosas.  

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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