Frei Ary E. Pintarelli, OFM
[Introdução a: Pintarelli, Ary E. Sabedoria de um simples: Os ditos do Beato Frei Egídio de Assis. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997, p. 24]
Ler as histórias das origens do movimento Francisco é puro deleite. Deixar-se envolver pelos maravilhosos relatos dos feitos dos primeiros companheiros de São Francisco equivale a caminhar com eles lado a lado pelas sendas e veredas da Úmbria, partilhando suas venturas e desventuras nos anos em que o movimento iniciado pelo poverello de Assis dava os primeiros passos.
Um desses companheiros, de quem são narradas histórias deliciosas, é Frei Egídio de Assis. Deve-se a Frei Leão sua primeira biografia, intitulada Vida de Frei Egídio. Homem simples e sem instrução, ao entrar para o grupo de São Francisco granjeou imediatamente a simpatia deste, tornando-se uma de suas companhias prediletas. No dizer de Frei Pintarelli, organizador de um livrinho maravilhoso, Sabedoria de um simples: Os ditos do Beato Egídio de Assis, Frei Egídio foi um dos Cavaleiros da Távola Redonda franciscana e um simpático místico da primeira hora franciscana.
O Beato Egídio de Assis figura entre os expoentes do que alguns autores denominam “sabedoria de resposta”. Trata-se daqueles ditos espirituosos, geralmente proferidos em resposta a uma indagação ou em réplica a uma determinada observação de um condiscípulo. Como diz Frei Pintarelli na Introdução do livrinho acima mencionado, por ter sido inicialmente camponês, seu linguajar é muito “terra a terra”, isto é, influenciado pelas coisas normais da vida e da criação, seus ensinamentos nascidos da vivência mais que do estudo (p. 16). Sua admirável sabedoria era sempre expressa com palavras simples, não ditadas pela ciência mas pela vida (p. 14).
A leitura de Sabedoria de um simples tem me proporcionado ótimas reflexões e maravilhosos insights. Tenho-o lido de forma aleatória, abrindo suas páginas ao sabor do acaso. Alguns me parecem tão bons que os assinalo, retornando com frequência à sua leitura, de forma a fixar melhor as palavras e apreender com maior profundidade o sentido, como este:
Bem-aventurado aquele que guia os outros pelo bom caminho, sem deixar de andar por ele; que convida os outros a correrem, sem deixar de correr também; que ajuda os outros a se enriquecerem, sem que por isso se torne pobre (p. 109).
Um outro trecho que tenho lido com frequência, e ao qual seguramente retornarei ainda muitas vezes, trata do delicado tema do enfrentamento das tribulações:
Disse-lhe um certo frade: “Que faremos se nos sobrevierem grandes tribulações?” Respondeu Frei Egídio: “Se o senhor fizesse chover pedras e rochedos do céu, estes não nos fariam mal se fôssemos como deveríamos ser. Se o homem fosse como deveria ser, para ele o mal converter-se-ia em bem. Pois, assim como a quem tem má vontade até o bem se transforma em mal, da mesma forma, a quem tem boa vontade o mal se transforma em bem. Afinal, todos os grandes bens e todos os grandes males estão dentro do homem e não podem ser vistos” (p. 61)
E, para citar um último dito, o meu predileto:
Grande virtude é o homem vencer-se a si mesmo. Se souberes vencer-te a ti mesmo, vencerás todos os teus adversários e alcançarás todo o bem (p. 63).