Jesus parece distanciar de si a sua Mãe porque quer mostrar como se realiza a verdadeira intimidade com Ele: “fazendo a vontade de Deus”. E Maria durante toda a vida, desde o dia em que aceitou ser a mãe de Cristo até à cruz no Calvário, foi o sinal da adesão à vontade de Deus. Foi sempre a “pobre em espírito e a pura de coração” que constantemente se entregou ao seu Filho e Senhor com alma de criança inteiramente voltada para o Pai (cf. Mt 18,13). O escritor francês, G. Bernanos, no seu romance Diário de um Pároco de província, falava assim de Maria: “O olhar da Virgem é o único olhar verdadeiramente ´infantil´, o único verdadeiro olhar de criança que alguma vez se tenha levantado acima da nossa vergonha e acima da nossa infelicidade”. Reencontrar esta “infância” do espírito, redescobrir a pureza da fé operante é concretizar a declaração de Jesus, é estar na esteira de sua Mãe, é tornar-se para Ele irmão e irmã.

Maria é o símbolo da verdadeira parentela com Jesus, não tanto segundo a carne mas na plenitude da intimidade. Para usar uma imagem de Cristo, é tornar-se “semente caída em terra boa: tendo ouvido a Palavra de Deus com um coração bom e virtuoso, conservam-na e dão fruto com a sua perseverança” (Lc 8,15). O cristão há-de ter um coração como o de Maria que “observa a Palavra de Deus” e “faz a sua vontade”. É assim, segundo a expressão de Jesus, que nos tornaremos também nós de algum modo, “irmão, irmã e mãe” de Cristo.

[Ravasi, Gianfranco. Os rostos de Maria na Bíblia: trinta e um “ícones” bíblicos. Tradução de Maria Pereira – TRADUVÁRIUS, Lisboa: Paulus Editora, 2008, p. 253]

Acolher a palavra de Deus e deixar-se conduzir por ela sempre constituiu para mim um dos maiores mistérios cristãos. Sempre me coloco esta questão: o que é fazer a vontade de Deus e quais são suas implicações? Cada vez que me faço essa indagação, sempre me vem à mente a figura de Maria.

Odighitria greca. Fonte: http://iconecristiane.it/iconografi/tarciniu-iulia/?pid=584

Na história do cristianismo Maria aparece, indiscutivelmente, como protótipo da pessoa que acolheu integralmente e sem meiasmedidas a Palavra de Deus, e, conduzida por ela, única e exclusivamente à luz da fé, realizou a vontade do Criador.

Maria cumpriu um itinerário previamente determinado, uma vez que ela não escolheu o caminho que queria seguir, tendo sido, antes, escolhida. A essa escolha, porém, que não foi feita por ela, mas por Deus, ela aquiesceu em dizer sim.

O sim de Maria pode ser considerado o ato fundador do cristianismo, pois foi com ele que toda a história da encarnação teve início.

É por ter cumprido tal itinerário que coube a Maria ser representada em um dos inúmeros ícones que enriquecem a iconografia mariana de origem oriental como a Odighitria, que quer dizer “Aquela que indica o caminho”.

Creio hoje, com a mais absoluta convicção, que tomar Maria como medianeira ao longo do itinerário que conduz a Cristo, é uma das formas mais seguras de precaver-se contra o risco de extraviar-se durante a difícil e tortuosa travessia.

Por que afirmo que essa é uma das alternativas mais seguras? Porque Maria trilhou, ela própria, o obscuro caminho do não saber, conduzida exclusivamente pela fé na Palavra. E porque trilhou esse caminho, ela, mais que ninguém, está apta a conduzir outros tantos que por ele se arriscam, nessa grande aventura que é o tornar-se discípulo de Cristo, o enviado de Deus, cujo receptáculo foi o ventre de Maria.

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles