Aqueles que, como Lúcia Cherem, uma das mais sensíveis leitoras de Clarice Lispector, frequentaram em Paris os seminários de Hélène Cixous – a mais importante leitora francesa de Clarice – puderam entender, um pouco melhor, o que realmente se passa. Nos anos 1980, Lúcia participou dos círculos de leitura de Clarice Lispector coordenados por Cixous. Neles, a filósofa pedia a seus parceiros que, depois de ler um trecho qualquer da escritora, se esforçassem para reproduzir o impacto pessoal, o golpe – as “facadas”, podemos sugerir – que a literatura de Clarice lhes impusera. Alguns choravam, outros se desesperavam, muitos se afundavam em recordações antigas, ou em meditações perigosas. Nessas horas, posso me arriscar a dizer, Clarice neles se encarnava. A literatura, que está nos livros, aparece muito além dos livros. Ali, sob a regência de Cixous, se reproduzia o choque que a literatura é capaz de promover. Ali, a literatura tomava corpo – tomava um corpo, vários corpos – e se mostrava viva. Ali, a coisa se encenava, o “isso” de que falava Clarice, aquilo que, ainda que estando dentro de um livro, não se deixa ler.

José Castello

[Castello, José. A literatura na poltrona. – Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 33.]

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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