O meio da vida é o momento em que fazemos o balanço conosco mesmos, em que realizamos o exame de nossa vida, quando começa a “descida” do Sol. De maneira que é, com frequência, também um tempo de depressão. Na realidade, devemos, então, renunciar a uma ideia de juventude eterna e abandonar certas ilusões que nos fizeram viver até então.

Viviane Thibaudier

[Thibaudier, Viviane. Jung, médico da alma. Tradução Martha Gouveia da Cruz, Alexandra D. de Sousa. – São Paulo: Paulus, 2014, p. 132. – (Coleção amor e psique).]

Nada na vida é mais difícil que lidar com a perda de ilusões. De fato, talvez ninguém consiga viver absolutamente imune às ilusões, até porque, sob certos aspectos ou em determinadas circunstâncias, se torna difícil saber o que é ou não ilusório. Entretanto, em que pese essa constatação, em determinados momentos a vida exige que nos desvistamos de ilusões que nos sustentaram até então.

Isso se verifica de forma clara e com uma força inexorável quando se atravessa a chamada meia idade, ou seja, quando nos olhamos ao espelho e, surpresos, percebemos que não se pode mais sonhar com a eterna juventude ou com a imortalidade. É quando percebemos que já nos encaminhamos para um iminente fim, uma vez que, admitamos ou não, somos todos mortais.

Momento terrível, este, em que não poucos sucumbem à depressão ou a outras graves patologias, não raro de origem psicossomática. Entretanto, a palavra fim, usada no parágrafo anterior, comporta um duplo sentido. O vocábulo, nesse caso, tanto remete à ideia de finitude quanto à de sentido. Explico: a vida tem um fim, sem dúvida ela acabará um dia; mas ela também tem uma finalidade, um sentido.

Pensada nessa segunda perspectiva, a famigerada crise da meia idade, ou o “Demônio meridiano”, expressão muito utilizada na literatura especializada, ao invés de um agente depressivo pode se tornar um grande aliado, impelindo o indivíduo a buscar o horizonte para o qual deve encaminhar sua vida na segunda etapa da existência.

Um dos maiores símbolos dessa situação encontramos no Arcano XIII do Tarô, intitulado justamente A Morte.  Esse Arcano não se reporta necessariamente à morte física, estando associado muito mais à ideia de transmutação. E essa é, de fato, a palavra chave para a travessia da meia idade. O que a vida exige é que abramos mão de velhas e desgastadas ilusões, que as deixemos morrer, de fato, para que a energia até então nelas investida ressurja transmutada. Transmutação essa que poderá se dar de forma lenta, gradual e suave ou de forma brusca e radical.

Como se dará o processo vai depender do quanto o indivíduo esteja aberto e atento para ler e compreender os sinais que a vida está mandando. Porque sinais e indícios de que é chegada a hora da mudança começam a se fazer notar de diversas formas. Quanto a isso, é bom estarmos atentos àquilo que Jung denominou sincronicidades, ou seja, aquelas supostas coincidências que talvez não sejam tão coincidentes assim. O Universo é pródigo em mensagens e sinais quando estamos antenados para recebê-los.

Atentar para os sinais, porém, é apenas uma parte do processo. Decodificá-los e segui-los é, talvez, a parte mais difícil. Uma forma de tornar isso mais fácil é procurar dedicar algum tempo à interiorização e a práticas que permitam o acesso às dimensões do ser que transcendem a esfera meramente racional ou consciente. Posso afirmar que tenho encontrado um vigoroso auxílio na prática diária da oração. Ela tem me levado a dimensões da minha vida nunca antes suspeitadas. É preciso, porém, munir-se de uma boa dose de persistência. A tentação a desisiir assoma a cada passo, especialmente nos momentos de aridez, quando não se consegue vislumbrar nenhum resultado concreto.

Posso, entretanto, afirmar com a mais absoluta convicção: o Caminho é difícil, porém, tão belo e surpreendentemente  compensador, que vale o sacrifício.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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