Certa vez, alguém que tinha em mente publicar um léxico de símbolos pediu conselho a C. G. Jung. A sua resposta foi a de que não o fizesse, pois cada símbolo exigia um livro inteiro. Focando-nos numa imagem específica de cada vez, encontramos um modo de contornar isso. A imagem tanto limita como abre: é essa imagem em particular que assenta o símbolo nesta experiência e, no entanto, se for a imagem certa, evoca a realidade arquetípica. Quando não conseguimos encontrar a imagem certa, não incluímos o símbolo em causa; quando a encontramos, tivemos uma sensação de alegre reconhecimento – como uma porta abrindo-se a algum deleite escondido. Paul Klee disse-o bem: “A arte não reproduz o visível. Ela torna visível”.

Ami Ronnberg

[Prefácio a: “O Livro dos Símbolos: Reflexões sobre imagens arquetípicas”. Ami Ronnberg, Chefe de redação; Kthleen Martin, Editor. Taschen, 2012]

A decisão de comprar um livro pode passar por diversas etapas, envolvendo muitas considerações. Dentre outras coisas, pondera-se sobre o conteúdo, o autor, a edição e o preço. Há casos, porém, em que as ponderações são desnecessárias. Basta pegar o livro para decidir: este eu vou levar. Foi o que me aconteceu há alguns dias quando, já de saída de uma livraria, me deparei com um exemplar de “O livro dos símbolos: reflexões sobre imagens arquetípicas”, exposto em destaque numa prateleira na seção de psicologia. Não me arrependi do ato. Desde então, tem sido um deleite folhear suas belas páginas que me têm proporcionado uma maravilhosa incursão pelo variegado universo das imagens arquetípicas.

A fonte iconográfica para o livro foram as 17.000 imagens do Archive for Research in Archetypal Symbolism (ARAS), sediado no C. G. Jung Center de Nova Iorque. A propósito do ARAS, encontra-se a seguinte informação na parte inicial do livro: “Inspirado no trabalho de Carl Gustav Jung sobre os arquétipos e o inconsciente coletivo, o Archive for Research in Archetypal Symbolism (ARAS) é um arquivo de imagens e textos relacionados com a mitologia, os rituais e os símbolos em todo o mundo e épocas da experiência humana. A compilação de 17.000 fotografias, acompanhadas de comentários sobre o seu contexto histórico e cultural, investiga a universalidade dos temas arquetípicos e dá testemunho das profundas e permanentes conexões de toda a vida” ( www.aras.org).

Foram selecionadas para a publicação em torno de 700 imagens, incluindo pinturas, fotografias, estátuas etc. O livro, que tem como chefe de redação Ami Ronnberg e como editor Kathleen Martin, foi escrito por diversos autores. Como adverte o próprio organizador da edição, por este motivo não há uniformidade nos textos, uma vez que foi dada aos autores liberdade para comentar cada imagem como melhor lhes aprouvesse. Esse aspecto, entretanto, não causou nenhum prejuízo à obra, muito pelo contrário, pois lhe conferiu uma maior riqueza pela diversidade de pontos de vista.

Dividido em cinco partes, Criação e cosmo, Mundo das plantas, Mundo animal, Mundo humano e Mundo espiritual, as imagens e textos abrangem um universo vastíssimo de assuntos, perpassando a cultura e mitos de toda a humanidade. Na descrição de um mesmo símbolo pode-se encontrar condensada uma gama muito grande de informações, contemplando simultaneamente diferentes perspectivas culturais.

Um exemplo disso é a bela descrição da lua crescente, representada no livro pelo quadro “Dezesseis de setembro”, de René Magritte. Sob a rubrica Crescente, escreve o(a) autor(a): “Ao alto, sobre os ramos de uma árvore em silhueta e num céu noturno, brilha um delgado arco de luz, o crescente da lua nova. Esta imagem moderna, está enraizada, talvez, no antigo símbolo da árvore lunar suméria, ‘a casa da mãe poderosa que atravessa o céu’ (Harding, M. Ester. Woman’s Mysteries, Ancient and Modern, NI, 1972). Como os cornos de uma vaca branca, a lua crescente curva delicadamente no espaço negro e vazio, e no entanto fecundo, prometendo a luz que há-de vir à medida que a lua vai engrossando até ficar cheia. A forma de barco da lua crescente lembra a Ishtar babilônica, o ‘Barco da Vida’, que transporta as sementes de todas as coisas vivas (Jung, C. G. Dream Analysis: Notes of the Seminar Given in 1928-1930, Princeton, NI, 1984). É a Io bizantina e a sua filha Keroessa, ‘a dos cornos’. Evoca o aspecto virginal da deusa grega da lua, com as suas três cabeças, a beleza e o poder empolgante da kore: Atena, Perséfone, Ártemis, ‘deusa da noite, glória das estrelas’, que segura uma lua crescente ou a usa no cabelo. De igual modo, a Madona cristã descansa os pés numa lua crescente, uma imagem paradoxal de virgem casta e vaso de nascimento divino” (p. 30).

A leitura de “O livro dos símbolos” tem me proporcionado um duplo prazer, tanto pela beleza dos textos quanto das imagens.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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