Há alguns dias recebi da coordenadora de um grupo de oração o convite para ministrar uma palestra em um encontro de formação. Propôs um dos seguintes temas: o escândalo da cruz ou a ressurreição. Depois de ponderar um pouco, delicadamente recusei o convite. O motivo principal foi considerar os assuntos propostos grandiosos e complexos demais para os meus parcos conhecimentos teológicos.

O convite teve o mérito de reacender em mim o interesse por me aprofundar em ambos. Na verdade, há algum tempo venho selecionando textos sobre o primeiro. Ancorado em uma passagem da primeira epístola de Paulo aos Coríntios, o assunto, em que se imbricam duas palavras muito fortes, escândalo e loucura, tem feito jorrar muita tinta da pena de teólogos e pregadores. Minha primeira atitude, pois, foi retirar da estante alguns livros que tratam do tema. Em um deles, “Cristo na Teologia de Paulo”, afirma o autor, o teólogo Lucien Cerfaux: “A mensagem cristã submete-se, pois, à grande tradição que Deus seguiu ao criar todas as suas obras no mundo. Escolhe um caminho, antípoda da sabedoria humana; anuncia o pensamento divino, um meio de salvação inventado por Deus, uma via que não é a via humana, mas é a loucura da cruz, o discurso da cruz, loucura humana, sabedoria divina. Só Deus podia imaginar este plano de salvar pela cruz. Donde a mensagem de Cristo crucificado (1 Cor 1.17-25)”.

A loucura e o escândalo se devem ao fato de que o Messias, vindo ao mundo para redimir a humanidade, tenha recebido como galardão a morte na cruz. Afirmar-se cristão, hoje, talvez possa ser considerado não menos que sandice tanto quanto ou mais ainda do que no tempo do apóstolo dos gentios. Cada vez que olho para o anel com um crucifixo que uso em um dos dedos da mão, reflito sobre a responsabilidade desse hábito, pelo que ele simboliza.

A experiência de ser discípulo de Cristo pressupõe duas condições igualmente exigentes: uma profunda imersão em si mesmo, a ponto de nos levar ao reconhecimento de nossas possibilidades humanas no que há de mais vil e mais sublime em nós, e um não menos profundo deslocamento em direção ao outro, com tudo o que isso comporta de comprometimento com a misericórdia e doação ou, numa palavra, com o amor.

O sustentáculo dessa grandiosa aventura é a esperança na parusia, prefigurada na ressurreição de Cristo. Corolário do escândalo da cruz, a ressurreição, evento celebrado neste domingo, afirma-se como epítome da experiência cristã: “A ressurreição outorga a Cristo as funções soberanas do reino de Deus. Estabelece-o como Senhor e assim o constitui na dignidade de juiz, que ele exercerá na parusia; reveste-o da glória na qual ele se manifestará em sua vinda. A parusia está no primeiro plano, retardada momentaneamente, mas é em vista dela que Cristo ressuscitou” (Lucien Cerfaux, p. 71).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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