Numa preleção de São Vicente de Paulo às Filhas da Caridade, após relatar a conversão de um camponês ocorrida depois de ouvir uma pregação sua, diz ele: “Isso aconteceu no dia 25 de janeiro de 1617, dia da conversão de São Paulo. Essa senhora me pediu que fizesse uma pregação na igreja de Follevile, para exortar os habitantes a uma confissão geral; eu o fiz. Mostrei-lhes a importância e a utilidade dela. Ensinei-lhes depois o modo de bem fazê-la. E Deus levou tanto em conta a confiança e a boa fé dessa senhora (pois o grande número e a enormidade de meus pecados teriam impedido o fruto dessa ação!) que abençoou a minha pregação. Todo aquele bom povo ficou de tal modo tocado por Deus, que vinham todos fazer a sua confissão geral” (Obras Completas São Vicente de Paulo: correspondência, colóquios, documentos, tomo XI. – Belo Horizonte: O Lutador, p. 4).

Esse episódio, que se tornaria conhecido como a conversão do camponês de Gannes, assinala o momento fundador de uma obra iniciada há exatamente quatro séculos, cujas ramificações estão hoje presentes em quase 150 países. Nascido em Pouy, na França, em 24 de abril de 1581, Vicente de Paulo foi um homem extraordinário que, no dizer de uma de suas biógrafas, Marie-Joëlle Guillaume, “viria a mudar a prática da caridade” (São Vicente de Paulo: Uma biografia. – Rio de Janeiro: Record, 2017, p. 478.) Em 1925 fundou a Congregação dos Sacerdotes da Missão, também conhecida como padres lazaristas. Instituiu, ainda, a Congregação das Filhas da Caridade, tendo contado para a realização desse intento com a inestimável colaboração de Santa Luísa de Marillac, e as Damas da Caridade, essa última constituída por mulheres leigas, a maioria oriunda das classes nobres francesas.

Desde 2014 veem sendo publicadas no Brasil as Obras Completas de São Vicente de Paulo, num total de 14 volumes. A edição original francesa soma 8.000 páginas. Calculam seus biógrafos que, somente cartas, ele tenha escrito em torno de 30.000, das quais apenas 3.000 foram preservadas. Também chegaram até nós muitos dos colóquios que ele fazia tanto às Filhas da Caridade quanto aos padres da congregação por ele fundada. Nos últimos meses tenho me dedicado à leitura de ambos, cartas e colóquios. Desses escritos emerge a figura de um homem apaixonante, profundamente sensível ao sofrimento humano, especialmente os pobres, aos quais dedicou toda sua vida, o que levou o papa Leão XIII a proclamá-lo “patrono universal de todas as instituições católicas de caridade que nele têm sua origem”.

O sustentáculo maior de seu incansável trabalho em prol da pobreza ia ele buscar na oração, da qual jamais abria mão. A propósito, decidi conhecer em profundidade sua vida e obra no dia em que li pela primeira vez uma frase tirada de um de seus colóquios: “Dai-me um homem de oração e ele será apto para tudo”.

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles