É sempre uma honra apresentar um amigo à sociedade. Amigo é o autor deste livro a quem tive a honra de conhecer e consultar há já algum tempo; e grande amigo é São Francisco de Sales a quem, como é natural, nunca tive o gosto de conhecer pessoalmente, pois viveu no século XVI, mas que conheço profundamente pelas suas obras e pela sua vida. Quem dele se aproxima uma única vez, fica seu amigo para sempre.

Valentim Viguera, s.d.h.

[Ravier, André. Francisco de Sales: Um sábio e um santo. – 2ª. ed. – Coimbra: Edições Tenacitas, 2015. Apresentação da edição portuguesa por Valentim Viguera, s.d.h., p. 13.]

A primeira vez que ouvi uma referência a São Francisco de Sales foi nos idos de 1987, quando comecei a dar aulas no Instituto de Ciências Religiosas-ICRE, no vetusto Seminário da Prainha. Recordo que, em uma reunião de professores, o Mons. Francisco Pinheiro Landim, diretor da Instituição e um homem que aprendi a admirar especialmente por seu senso de humor – ele tinha sempre uma boa anedota para contar quando o momento se fazia oportuno -, disse a seguinte frase: “São Francisco de Sales dizia: a tristeza é toda para mim, a alegria é para os outros”. Com isso ele queria expressar a ideia de que, se estamos tristes, devemos guardar para nós mesmos essa tristeza, mas, se estamos alegres, devemos dividir com os outros essa alegria. Nunca esqueci as palavras do Mons. Landim. E desde aquele momento brotou em mim o propósito de, algum dia, conhecer melhor o Santo que proferira tão sábia admoestação.

O tempo passou. Muitos anos depois, lendo uma biografia de Dom Bosco, reencontrei a figura de São Francisco de Sales. Ali descobri o quanto o santo influenciara Dom Bosco, a ponto deste último dar à congregação por ele fundada o nome de Salesianos, palavra derivada do sobrenome daquele. Mais recentemente, lendo as cartas de São Vicente de Paulo, descobri que este Santo foi, também, um grande admirador do “bispo de Genebra” (assim São Vicente se referiu muitas vezes a São Francisco de Sales). A esses dois veio somar-se, por fim, Santo Afonso Maria de Ligório. O fundador da Congregação dos Padres Redentoristas adotou como mestres Santa Teresa D´Ávila e São Francisco de Sales, os quais cita com frequência em seus escritos.

Era, pois, chegado o momento em que deveria me aproximar desta figura muito querida e admirada por tão insignes figuras da Igreja Católica. A oportunidade veio com a aquisição, este ano, do livro Francisco de Sales: Um sábio e um santo, de autoria do sacerdote jesuíta André Ravier (1905-1999). O autor dedicou a vida inteira ao estudo da obra do seu biografado. Ao iniciar a leitura, percebi, desde as primeiras páginas, a verdade das palavras expressas por Valentim Viguera, s.d.h., no primeiro parágrafo da Apresentação da edição portuguesa do livro, citada em epígrafe a este texto.

Gostaria de destacar aqui duas frases da Apresentação: “Grande amigo é São Francisco de Sales” e “Quem dele se aproxima uma única vez fica seu amigo para sempre”. À medida que me adiantava na leitura da biografia, fui, gradativamente, sentindo a verdade dessas duas sentenças. A cada novo capítulo crescia em mim a admiração pela sensibilidade revelada pelo Santo no trato com as pessoas, especialmente os leigos como eu, a quem ele devotou uma atenção toda especial. Em consequência, crescia em mim o desejo de me aproximar dele, de rezar para ele, enfim, de me fazer devoto e – Oh!, presunção das presunções! –  seu amigo.

Depois que concluí a leitura da biografia, senti uma vontade imensa de escrever um artigo para este blog. Entretanto, a ideia foi sendo adiada ao longo de vários meses, pois sempre achava que não estava ainda suficientemente preparado para escrever um texto à altura do que merece São Francisco de Sales. A isso, some-se o desejo de que tal texto pudesse transmitir ao leitor a grandiosidade do impacto causado em mim pelo contato com o Santo. Hoje decidi que era chegado o momento. Mas ao me propor redigir o artigo, resolvi também dividi-lo em diversas partes, pois escrevê-lo de uma vez implicaria em correr o risco tanto do texto ficar longo demais quanto de não conseguir dizer tudo o que gostaria. Eis, pois, uma introdução ao que se desdobrará, sequencialmente, em outros textos que pretendo publicar nos próximos dias.  

Além da biografia, tive também a sorte de adquirir, este ano, os dois volumes das Obras Selectas de San Francisco de Sales, publicado na Espanha pela Biblioteca de Autores Cristianos. Eu, que sou apaixonado por cartas, fiquei imensamente feliz ao constatar que o Volume II traz uma seleção de 78 missivas do Santo.  E não poderia escolher nada melhor para este texto inicial do que um trecho de uma de suas correspondências, citado no livro de André Ravier. Em seu primeiro ano de pontificado como bispo-príncipe de Genebra, um amigo seu, Antoine de Revol, que ainda não era padre, foi promovido para o bispado de Dol. Ao aconselhar-se com o santo sobre a grandiosa responsabilidade que lhe fora outorgada, este lhe responde:

“Dir-vos-ei aquilo que disseram a um pastor escolhido para ser rei de Israel: Mutaberis in virum alterum, tendes de vos tornar completamente outro, tanto no vosso interior quanto no vosso exterior. E, para que se dê esta grande e solene mutação, o vosso espírito deverá ser derramado e completamente revolvido” (p. 127).

Essas palavras, muito fortes e incisivas, reverberaram em mim, simultaneamente, como um apelo e um desafio. Foi como se o próprio Santo me interpelasse a assumir a difícil tarefa de uma grande mudança, com o consequente desafio nela implicado. É, pois, essa sentença que desejaria que ficasse impressa de forma indelével no coração de cada leitor que se sinta interpelado pela leitura deste texto: Mutaberis in virum alterum.

À guisa de conclusão, quero apenas adiantar que publicá-lo hoje, um sábado, tem um motivo especial. Este é o dia da semana dedicado pela Igreja Católica à Virgem Maria, de quem São Francisco de Sales foi um grande devoto, motivo pelo qual atribuiu à congregação por ele fundada o nome de “Religiosas da Visitação de Santa Maria”, a qual, no breve pontifical, será renomeada, passando a ser designada por “Congregação da Bem-aventurada Virgem Mãe de Deus da Visitação”.  Mas disso falarei num próximo texto.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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