Todas as "crianças peculiares"

Todas as “crianças peculiares”

Décadas antes de que o escritor Ramson Riggs escrevesse o romance infantojuvenil “O Orfanato das Crianças Peculiares” (2011), o diretor Tim Burton já era reiteradamente descrito pelo sinônimo dado aos pequenos com poderes incomuns no livro. Responsável por uma das mais reconhecíveis assinaturas em suas obras, o norte-americano tem um toque para aliar belas histórias a uma densa atmosfera fantasmagórica. Foi assim com “Edward Mão de Tesoura” (1990), com “A Noiva Cadáver” (2005), com “Frankenweenie” (2012).

“O Lar das Crianças Peculiares” se movimenta entre o horror e o infantil,  tanto temática quanto visualmente. A aposta em Tim Burton, portanto natural, se mostra de cara na direção de arte da adaptação. Com design de produção de Gavin Bosquet, o longa tem uma capacidade impressionante de definir suas pequenas personagens a partir do figurino. É algo como X-Men – uma óbvia influência para o livro –, mas com roupas da década de 1940 em vez de collants. Ao mesmo tempo, essa vivacidade é contraposta por uma fotografia mais contida, fugindo do colorido repetitivo de Burton.

No seu longo primeiro ato, dividido em duas partes, “O Lar das Crianças Peculiares” primeiro apresenta Jake (Asa Butterfield) como um garoto comum e assustado que mora na Flórida (EUA), para depois apresentar as chamadas “crianças peculiares” tutoreadas pela Senhorita Peregrine (Eva Green, sempre cativante ainda que austera). São, ao todo, 12 jovens de entre 6 e 16 anos, cada um com um poder único, que vai da invisibilidade à capacidade de reavivar mortos. O bom design de produção permite que tais dons sejam mostrados aos poucos, mas intuídos pelo visual.

Resumidamente, os “peculiares” vivem e revivem o mesmo dia, protegidos por Peregrine em uma fenda de tempo que os deixaria a salvo dos vilões, chamados “acólitos”. É, de certa forma, uma trama complicada para o público-alvo, já que envolve viagens no tempo constante e a apresentação de uma grande quantidade de personagens, conflitos e motivações.

Eva Green e Asa Butterfield

Eva Green e Asa Butterfield

A ideia de crianças sem pais com poderes maravilhosos perseguidos por adultos malvados não é lá a mais original. Já o personagem de Jake é o arquétipo mais clássico de obras de fantasia: o herói relutante. Bem alto e extremamente magro, Asa Butterfield já demonstra a fragilidade e a doçura do personagem nas características físicas. Carismático, ele consegue fazer do protagonista alguém palatável, mas as indecisões dele soam pouco verossímeis. Ele é mais uma criança grande, domesticado, afável, do que um adolescente de fato. A relação dele com Emma (Ella Purnell) é bem construída, mas, novamente, previsível.

Diferentemente de obras como “X-Men”, que usa os superpersonagens como metáfora para preconceitos, “O Lar das Crianças Peculiares” busca approuch mais direto sobre família e a noção de proteção que emana dela. Só que soa tudo muito injusto. De um lado, os pais de Jake, unidimensionais. Do outro, crianças com superpoderes, um novo amor na vida, uma figura materna presente. Tudo isso ajuda a criar uma antipatia contra o protagonista, algo contra o que Butterfield luta.

Contido e bem construído, previsível e um pouco arrastado, “O Lar das Crianças Peculiares” acaba soando mais uma obra introdutória. O que faz sentido: o romance já possui duas sequências lançadas. No fim das contas, a mistura de “X-Men” e “Harry Potter” até funciona, mas não parece ter fôlego ou profundidade para se estender por muito tempo.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 5/8

Publicado também no caderno Vida&Arte, do jornal O POVO


Ficha técnica
O Lar das Crianças Peculiares (EUA/BEL/Reino Unido, 2016). Fantasia/Aventura. De Tim Burton. Com Asa Butterfield, Eva Green e Ella Purnell.

Em Fortaleza, o filme entra em cartaz nos cinemas UCI Kinoplex Iguatemi. UCI Shopping Parangaba. Centerplex Grand Shopping Messejana. Centerplex Via Sul. Arcoplex Aldeota. Arcoplex Del Paseo. Cine Benfica. Kinoplex North Shopping. Cinépolis RioMar. Cinépolis North Shopping Jóquei.

About the Author

André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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