Num país onde 12% das crianças que chegam ao 3° ano do ensino fundamental são reprovadas, tornou-se latente o debate sobre a precariedade da alfabetização, uma das grandes responsáveis por esse gargalo. A preocupação vem se refletindo na elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Até o início deste mês, o documento que vai nortear o aprendizado nas escolas recebeu cerca de 12 milhões de sugestões de todo o Brasil. Essencial para a alfabetização, o período de transição do ensino infantil para o fundamental gerou debate.

“Há uma discussão muito importante sobre como construir uma relação entre a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental, de maneira que a educação infantil contribua para a alfabetização das crianças nos primeiros anos”, afirma o secretário de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Manuel Palacios.

A BNCC estabelecerá diretrizes que irão nortear o ensino público do país. Cerca de 60% do conteúdo das escolas brasileiras será composto pela Base, os outros 40% ficarão a cargo das instituições para garantir a existência de abordagens regionais. Para construir o documento, o MEC organizou uma consulta pública na internet que ficou aberta a contribuições de setembro de 2015 até o início deste mês. Durante esse período, foram mais de 300 mil cadastrados, dos quais 207 mil professores. Além dessas contribuições, um corpo de especialistas fornece pareceres críticos sobre o texto. Em abril, será apresentada uma nova versão do documento, e o modelo final será conhecido em junho.

“A Base Nacional Comum evidencia um problema que já existia”, avalia a superintendente do movimento “Todos Pela Educação”, Alejandra Meraz Velasco, que critica o fato de a educação infantil não receber o devido destaque nas políticas educacionais.

“Apesar de a educação infantil ser parte da educação básica, ela continua sendo tratada separadamente: a estrutura da BNCC na educação infantil é totalmente diferente do ensino fundamental. Na educação infantil a Base estabelece campos de experiências e no ensino fundamental, por disciplinas. Não há uma ponte entre eles”, comenta Alejandra, acrescentando que a alfabetização é um ponto, mas há diversos problemas que essa falta de integração gera.

Em um dos pareceres críticos, um dos especialistas da área de matemática analisa:

“… Não há como prever a transição desse nível (educação infantil) para o ensino fundamental. Mesmo que o documento da educação infantil não tenha foco na escolarização, tal como é concebido até então, o texto não deixa explícito como deve ser o processo de aquisição, pela criança, de alguns conceitos básicos, como, por exemplo, o de número. “

De acordo com Alejandra, o ideal é que cada etapa tenha um traço da outra, mas sempre assegurando o caráter central de cada período.

“A educação infantil não pode ser escolarizada, mas também não pode ser como era quando essas creches pertenciam à assistência social. A importância na Base é criar um conceito de educação infantil compartilhado por todos”, observa.

Atenta à relevância da discussão, a equipe do Jardim de Infância Municipalizado Carlos Ribas, na cidade de Três Rios, no interior do estado do Rio, promoveu reuniões para discutir o conteúdo da nova proposta de currículo.

“A Base vai ser uma referência para o trabalho no país inteiro, isso vai ser uma ajuda grande. Aqui nos reunimos internamente para discutir o conteúdo e agora estamos nos reunindo com os pais para falar sobre o currículo. Chegamos à conclusão de que todos precisam de um núcleo comum. Irá contribuir para a promoção da igualdade de aprendizado para todos”, conta a diretora da escola, Janis Pantola.

O Jardim de Infância Carlos Ribas sugeriu alteração de apenas um eixo da Base, pedindo a ampliação do repertório cultural das crianças no trecho sobre gestos e movimentos. Isto para que os alunos não exercitem somente os próprios costumes, mas também de outros grupos.

Na opinião de Marcelo Burgos, professor do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio e um dos responsáveis pela compilação das contribuições, as sugestões funcionaram como um termômetro.

“O portal funcionou como um espelho dos pontos mais controvertidos do debate pedagógico. Tenho usado o material das contribuições, a sensação é a de conversar com milhares de pessoas de todos lugares do país”.

Para além da educação infantil, os anos iniciais do ensino fundamental também precisam ser olhados de perto. A professora Hilda Micarello, coordenadora da equipe de redação da BNCC, cita como exemplo o debate sobre a brincadeira, elemento central da educação infantil e que praticamente desaparece na etapa seguinte.

“Há um debate sobre a brincadeira, uma discussão de que esse aspecto não desapareça a partir dos 6 anos. Vamos procurar deixar mais explícita essa dimensão lúdica, que caracteriza o contato das crianças com os diferentes componentes curriculares nos anos iniciais do ensino fundamental”, explica.

Para Hilda, no entanto, apesar da importância do documento, é preciso ter em mente que a Base por si só não irá resolver todos os problemas da educação:

“A Base sozinha não terá o poder de trazer mudanças radicais à educação brasileira, precisa estar articulada a outras políticas públicas. Ela é fundamental porque dá um norte para que se possa atacar de forma mais efetiva esses problemas históricos, como a reprovação no 3° ano do ensino fundamental”.

Nesse sentido, o secretário de Educação Básica do MEC ressalta que o próximo passo deve ir para além da BNCC.

“A formação de professores terá que ser revista tendo a Base como referência. Teremos que rever as matrizes de prova Brasil e do Enem, para que se alinhem com o documento”, avalia. “Aprovada a Base, vamos começar a ver seus efeitos, como a revisão dos currículos dos estados e municípios. É provável que o impacto na produção do livro didático seja claramente perceptível em 2020. Em 2018 já se pode prever um Enem que tenha por referência a Base”, afirma Palacios.

Fonte: O Globo

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Valeska Andrade

Formada em História pela Universidade Federal do Ceará e em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especialista em Cultura Brasileira e Arte Educação. Coordenou o Programa O POVO na Educação até agosto de 2010. Pesquisadora e orientadora do POVO na Educação de 2003 a 2010, desenvolveu, entre outras atividades, a leitura crítica e a educomunicação nas salas de aula, utilizando o jornal como principal ferramenta pedagógica. Atualmente, é professora de história da rede estadual de ensino. Pesquisadora do Maracatu Cearense e das práticas educacionais inovadoras. Sempre curiosa!!!

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