Angie faz uma viagem de volta ao passado. Esse lugar de onde as pessoas preferem manter distância. Mas, para explicar o próprio presente e ir até o futuro, a garota de 17 anos precisa embarcar em uma jornada que refaz passos dados pela mãe, Marilyn, quando tinha a mesma idade. O novo livro de Ava Dellaira – autora do badalado Cartas de Amor Aos Mortos – foi lançado pela Companhia das Letras no fim de março. Mantendo os padrões e a estética do volume anterior, a autora apresenta uma história coesa e encaixada, que tem a ancestralidade e a família como figuras centrais.

Há tempos eu aguardava o novo livro da Ava Dellaira. Primeiro, a autora se tornou uma queridinha com o Cartas de Amor aos Mortos. É um livro simples, bem estruturado, bem escrito e bem traduzido. E, além de todos esses atributos, abre portas para que jovens conheçam novos escritores e artistas. Depois, a autora é amiga e tem grande influência do Stephen Chbosky, que escreveu o meu livro favorito na vida inteira: As Vantagens de Ser Invisível. E, por último, eu queria muito saber como a Ava iria criar uma nova obra e se reinventar. É complicado escrever algo novo, surpreendente e que agrade a massa de leitores quando seu primeiro livro é um sucesso. Imagino as pressões que a escritora viveu até colocar Aos 17 anos no mundo.

Mas, vamos falar sobre o livro novo! Marilyn foi uma estrela na publicidade infantil. A rotina de ensaios, sessões de fotografia e gravação de comerciais para a televisão, entretanto, não agravam a menina. Quando adolescente, precisou continuar exercendo a profissão – ao mesmo tempo em que se preparava para a concorrência e entrada na universidade, lidava com os problemas da família – um tio alcoólatra e uma mãe relapsa -, e vivia as outras questões comuns da idade. Aos 17 anos, ela encontra um amor bonito e difícil de ser vivido.

A escritora

Angie, por sua vez, teve uma infância bem mais confortável. A mãe a cercou de cuidados e carinhos. Todos os ícones de uma adolescente americana são aparecem: festas na escola, idas a lanchonete, passeios de carro. A garota, entretanto, sente suas próprias ausências. Negra e com cabelo cacheado, ela é constantemente questionada ao passear com Marilyn, que tem olhos claros e é loira. Os incômodos são tratados de forma sutil pela autora. Ava Dellaira não precisa explorar a questão racial para mostrar que é importante, que existe preconceito e que a protagonista vive um dilema. É fascinante.

Ponto para a Companhia das Letras que fez uma linda capa! Angie surge na capa de forma sútil, com o olhar escondido por uma câmera fotográfica e os cabelos crespos imponentes. É incrível ter uma personagem negra estampando a capa de um livro destinado aos jovens. Claro, eu não sou do time que julga um livro pela capa, mas é interessante e necessário ter uma imagem representativa nas capas dos livros. E os pássaros presentes, bem, são um detalhe muito feliz que só a leitura da narrativa pode explicar.

Foto do instagram @leiturasdabel

Intercalando os processos da mãe e da filha, a narrativa de Ava passeia entre o presente e o passado. Angie embarca em uma viagem de carro com o ex-namorado para Los Angeles. A travessia é feita em busca de uma outra família que ela nem sabe se realmente existe. Com ela, apenas alguns fragmentos de fotografias e papéis rabiscados são pistas. A escritora consegue envolver o leitor nas duas histórias: a partida de Marilyn e a chegada de Angie. Ao fim, Ava fecha o arco da história de mãe e filha.

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Leia resenha do livro Cartas de Amor aos Mortos
Uma carta para Ava Dellaira, autora de Cartas de Amor aos Mortos

 

Serviço
Aos 17 anos
Autora: Ava Dellaira
Tradução: Lígia Azevedo
Editora Companhia das Letras
Preço sugerido: R$ 34,90

 

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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