Kurt Cobain é um dos receptores de Laurel

Por Mariana Amorim (do blog Memórias de Gaveta)*

Bom, eu não sei exatamente como começar a escrever esta carta. Não sei se tenho intimidade o suficiente para chamar você de amiga. Apesar de achar que, após me fazer chorar, sorrir e entender muita coisa que aconteceu comigo, acredito que sim, gostaria de você como amiga. E nem sei se vou conseguir deixar claro como foi a leitura do seu livro para mim. Carta de Amor aos Mortos é um misto de inquietação, alegria, tristeza e uma dorzinha de dúvida. Ele chegou até mim como presente de natal de uma amiga muito querida em uma época na qual  eu não enxergava um futuro possível. Pessoalmente, foi uma leitura muito difícil para mim.
Quando as primeiras palavras de Laurel, escritas para Kurt Cobain, saltaram a página, senti meu peito inchar. Ela não podia entender tão bem aquilo que eu sentia. Alguém tão doce não podia guardar tantas tristezas. Joguei o livro do outro lado do quarto e decidi que não iria conhecer a história de Laurel, eu ainda estava tentando encontrar fôlego para lutar com a minha tristeza.

Laurel é uma menina doce e muito boa. Porém, Laurel nunca pode voar. Ela não tinha o brilho da irmã, May. A sorte de Laurel era ter May. Até que May a deixou. E isso é atormentador. Sinceramente Ava, não sei o que te motivou a escrever esse livro. Mas, acredite, você explicou muito aquilo que sentimos quando não achamos a saída.

Sabe Ava, comparei a história de Laurel com conquistar sonhos. Todo mundo fala sobre como é incrível realizar um sonho. Escrevem sobre as maravilhas de se alcançar um objetivo e como você se sente realizado e feliz com isso. Porém, ninguém nunca teve a coragem de contar como é ruim e frustrante quando você os perde. Pois é, talvez seja melhor você saber antes de se meter a sonhar por aí. Laurel sabia disso. Ela queria, antes de tudo, ser de verdade. Ser alguém.

Ava Dellaira, a autora

A primeira coisa que você vai sentir quando perder um sonho é uma dor gigante. A dor de Laurel tirava o ar. Ela se perdia em pensamentos e atitudes. É assim mesmo. A confusão se torna parte de quem você é. Não existe você sem confusão. E não há como ser 100% normal. E por mais que você deseje com muita força. Não há nada que possa mudar aquilo que já foi feito, perdido ou deixado para trás. Você não vai conseguir respirar, nem falar, nem nada. Você só vai sentir uma coisa muito ruim esmagando sua consciência e seu coração.

Depois, vem a culpa. E eu vi a culpa consumir Laurel. A culpa vai maltratar com tudo que for possível. Assim como ela fez com a Laurel. A sensação de impotência também chega para conquistar um espaço. Você começa a sentir que não adianta de muita coisa. Nem conseguir isso ou aquilo você conseguiu. Aí, nesse ponto, tudo já é um caos. Enorme. Tristeza, frustração e dúvidas são as suas principais companhia. Você tem raiva do mundo e, principalmente, tem raiva de você. “Maldita, Alice. Você e seus sonhos de País das Maravilhas”.

E a pergunta é só uma: sonhar vale esse risco?

Durante a leitura do seu livro, devo admitir que achei que Laurel estava lutando contra coisas que ela nunca iria vencer. A solução me parecia óbvia e assustadora. Tão assustadora que abandonei a leitura mais duas vezes, com medo de que as soluções que eu encontrei para Laurel, no fim, servissem de verdade para mim. Sei lá, talvez sumir fosse o mais sensato a se fazer.

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Porque, pior que um sonho frustrado, é uma expectativa não alcançada. E quando um sonho não é realizado, uma cascata de expectativas não alcançadas cai sobre a sua cabeça. Pense. Pense muito se vale o risco.

Pensei dias nas soluções para Laurel. Mas, como ela poderia simplesmente ir embora? E Sky, e o novo colégio, e Janis Jopplin? Como ficaria tudo isso sem Laurel. Mas, até que ponto Laurel era importante. Pensei em Sky sem Laurel. Isso me incomodou. Porque a vida dele seria marcada por um vazio que nunca mais seria preenchido. May deixou isso em Laurel. Seria justo ela fazer isso com Sky? May não encontrou saída. Laurel tinha que encontrar.

Por isso, te pergunto, Ava, você já realizou um sonho? Já esteve no País das Maravilhas?

A sensação é incrível, né? Acho que nenhuma das palavras que eu já li por aí consegue descrever como você se sente. É como voar. É flutuar. Pode acreditar, naquele momento você é sim a pessoa mais feliz do mundo. Você se olha no espelho e sorri para você mesma e repete: “Eu consegui. EU CONSEGUI”. E essa sensação boa te acompanha sempre que você falar sobre isso ou lembrar-se disso. O País das Maravilhas fica dentro de você. E mesmo quando a culpa insiste em te mostrar o quão errado tá a sua vida, essa sensação ainda tá lá. Dentro de você. É uma decisão difícil, sonhar ou não.

Laurel encontrou uma saída. E eu também. E para nós duas, eu e ela, a resposta é sim. Vale a pena continuar sonhando.

Serviço
Cartas de amor aos mortos
Ava Dellaira
Tradução Alyne Azuma
337 páginas, Editora Seguinte
Companhia das Letras
Preço médio: R$ 25,90

 

*Mariana Amorim é estudante de jornalismo, apaixonada por comunicação e envolvida com música! Acha que uma bela canção pode mudar o mundo. Coleciona livros, discos de vinil, papéis de bala e blocos de anotação. Integra a Rede@Literatura, coletivo de Fortaleza. Apaixonada pelos garotos de Liverpool e pelo rapaz latino-americano.

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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