Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 24/8/2014, do O POVO.

Carlus

Arte: Carlus

Sobre homens e macacos
Plínio Bortolotti

Assisti ao original O planeta dos macacos quando lançado, em 1968. Lembro ter saído maravilhado do cinema, talvez pela aventura, porém sem entender bem o enredo. Tive dificuldade de compreender o final, quando Charlton Heston, com sua companheira na garupa do cavalo, defronta-se com a Estátua da Liberdade semienterrada. As palavras dele, de qualquer modo, ficaram gravadas na minha memória: “Loucos, maníacos, destruíram tudo”.

Menino do interior, na longínqua década de 60 de século passado, provavelmente nem tinha ideia do que era e do que representava a Estátua da Liberdade. A luz se fez quando meu irmão mais velho explicou: “Eles (os astronautas) voltaram para a Terra”. Desde então, vejo todos os filmes da série, ou “franquia”, como se costuma dizer agora, sempre evidenciando a marcha da insensatez a mover os humanos – e também aqueles que nos emulam, como os símios inteligentes, nossos algozes na ficção, como se vê no Planeta dos macacos – O confronto, em cartaz.

Em uma das cenas do filme César, o líder dos símios, vendo-se em dificuldade para controlar a sanha guerreira de seu amigo Koba, lamenta-se: “Não imaginava que os macacos fossem tão parecidos com os humanos”.

Diferentemente dos filmes anteriores em que a humanidade era devastada por uma guerra atômica, nos filmes mais novos da série, o perigo vem da manipulação genética (cada época com seus medos), que produz um vírus em laboratório letal para os humanos – ao qual os macacos são imunes – e que praticamente dizima populações do mundo inteiro.

Estaria mesmo a Terra condenada a ser destruída por obra dos próprios homens, enredo tão comum em filmes de ficção científica?

Estudo recente, encomendado pela Nasa (agência espacial americana), prevê um “colapso nas próximas décadas”, relacionados a problemas com superpopulação, clima (efeito estufa), água , agricultura. Outro problema que ameaça a existência humana seria a desigualdade. Segundo o estudo, o alto consumo, por parte das elites, priva a maioria da humanidade de bens básicos para a sobrevivência. E, sem as classes baixas para produzir bens e riquezas, o naufrágio atingirá a todos. (Sem contar – acrescento por minha conta – que o nível de tolerância dos completamente despossuídos têm um limite, que, ultrapassado poderá provocar revoltas incontroláveis.)

Em resumo, o modelo da sociedade ocidental, baseada no consumo excessivo dos mais ricos, na desigualdade, e no uso desmedido dos recursos naturais, levaria, inevitavelmente, ao cataclismo. (A pesquisa foi feita pelo Centro Nacional de Síntese Sócio-Ambiental, que trabalha com a Fundação Nacional de Ciências Norte-Americana.)

Mas, espere aí.

David Deutsch, físico da Universidade de Oxford, pioneiro no campo dos computadores quânticos, discorda. Para ele, o futuro será melhor do que o passado. Em seu livro The Beginning of Infinity (o início do infinito), ele vai além e prevê um progresso infinito para a raça humana. Assim, os problemas, quaisquer um (inclusive os citados pelo estudo da Nasa), seriam resolvidos pela inesgotável capacidade humana de interpretar a Natureza e modificá-la, para melhorar a vida na Terra.

NOTAS

Marx
Talvez David Deutsch concorde com pelo menos esta frase de Karl Marx, cientista social: “A humanidade só levanta os problemas que é capaz de resolver e assim, numa observação atenta, descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais para o resolver já existiam ou estavam, pelo menos, em vias de aparecer”.

Macacos
No filme, o amigo que trai César, líder carismático dos macacos, chama-se Koba. Não sei se proposital ou não, mas Koba era um dos codinomes de um certo Josef Djugashvili, também conhecido como Stálin (o homem de aço).

Humanos
Da mesma forma que o Koba, que assumiu o lugar de César, reivindicando a causa símia, Stálin também canonizou Lênin, instituindo-se como intérprete de sua vontade, e exibindo-se como o “guia genial” dos povos.

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