Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, edição de 7/9/2017 do O POVO.///

Mergulho na irrealidade cotidiana///

Os últimos acontecimentos tornam ainda mais difícil saber se transitamos pelo surreal (mistura de sonho e realidade), se vivemos na hiper realidade (algo que é real e fictício ao mesmo tempo), ou se alcançamos a síntese superior negativa de ambas: um pesadelo transfigurado em irrealidade aprisionante.

A descoberta de malas de dinheiro com R$ 51 milhões, supostamente pertencentes ao “criminoso em série” Geddel Vieira Lima, leva também à pergunta: qual o limite do fetiche que faz alguém a acumular tanto dinheiro em um apartamento vazio, como se fosse um Tio Patinhas insano?

Será que, às vezes, o proprietário ficava contemplando afetuosamente os pacotes de cédulas, com um sorriso suave, porém delirante, repetindo em voz baixa: “É tudo meu, é tudo meu, eu tenho o poder”?

Que mundo paralelo é esse em que milhões de reais viram troco; no qual procuradores agem como celebridades e magistrados confrontam a ética e o sentido de justiça?

É um mundo em permanente colisão, por exemplo, com a irrealidade real de 50 milhões de brasileiros que dependem do Bolsa Família para comprar comida para mal e mal alimentar os filhos. Irrealidade na qual metade da população vive sem acesso à coleta de esgoto e com 40 milhões de pessoas vivendo sem água tratada.

O programa Bolsa Família paga, em média, R$ 176 por família; assim o dinheiro encontrado no “bunker” daria para abastecer cerca de 290 mil famílias por um mês. O valor também representa 54.500 salários mínimos (R$ 937); ou seja, um assalariado precisaria trabalhar mais de 4.500 anos para alcançar esse valor, o que somente seria possível em uma hiper irrealidade surreal.

Faz parte desse admirável mundo Matrix as trôpegas declarações de dois altos executivos da JBS (um deles o proprietário do frigorífico) revelando como manipulam o caldeirão sujo onde é cozinhada a carne estragada que nutre os nossos pesadelos cotidianos.

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