Ser trovadorA trova: pequeno verso,/ Que inunda a vida de amor!/ Encanto em que estou imerso/ Ventura do trovador!

Aloísio Bezerra

[Bezerra, Aloísio. Que glória é ser trovador! Fortaleza: Composto e impresso no jornal “A Fortaleza”, 1981, p. 14].

Quando me ocorreu a idéia de escrever este texto, minha primeira atitude foi pegar um  Cd do Altemar Dutra para usar como fundo musical durante a redação. Há alguns anos foi lançada uma caixa com quatro Cds do grande cantor brasileiro. O conjunto recebeu o seguinte título: “Altemar Dutra, O Trovador”. O título se deve a uma música que foi um de seus maiores sucessos, “O Trovador”, de autoria do cearense Evaldo Gouveia e do capixaba Jair Amorim. A música começa com os versos “Sonhei que eu era um dia um trovador/ Dos velhos tempos que não voltam mais”. É embalado por esses versos que inicio este relato. 

Há vinte e cinco anos descobri que aquilo que Evaldo Gouveia e Jair Amorim proclamavam em versos como um sonho não era apenas um sonho. Descobri que ainda existem trovadores que fazem versos de amor como “nos velhos tempos que não voltam mais”. E, para minha alegria, soube que um desses trovadores era meu conterrâneo. Assim, depois de um contato telefônico, na noite de 27 de agosto de 1984, me dirigi, emocionado, à casa do Sr. Aloísio Bezerra.  

Lá chegando, encontrei um simpático senhor de 59 anos de idade que me recebeu com muita cortesia. A conversa teve início num banco de cimento defronte à sua casa, a céu aberto, como convém a um trovador. Algum tempo depois, me convidou a entrar. Sentamos a uma mesa e seu Aloísio começou a me trazer livros, certificados, troféus, testemunhos de sua vida de trovador.

Conversamos muito. Seu Aloísio me falou do começo de sua vida em Massapê, de sua vinda para Fortaleza, da carreira como funcionário do Banco do Brasil, do curso que criara para preparar jovens para concursos bancários, mas falou, sobretudo, de trovas e do prazer de ser trovador.

No Dicionário da Idade Média, organizado por H. R. Loyn, no verbete Trovadores, o autor informa o seguinte: “Começando com as canções de Guilherme IX da Aquitânia (1071-1127), que vão do obsceno través do sensual até o requintado, e terminando com Guiraut Riquier (m. 1292), que rejeita o amor profano e canta em louvor da Virgem Maria, os trovadores, poetas-músicos das cortes do sul da França, deixaram uma rica e variada herança literária. (…) Os trovadores exerceram uma profunda influência não só na poesia lírica da Europa ocidental mas também, de um modo geral, em sua literatura e, em última análise, talvez até nas atitudes sociais” (Loyn, H.R. (org.). Dicionário da Idade Média, com 250 ilustrações. Tradução de Álvaro Cabral. Rev. Técnica de Hilário Franco Júnior. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1991,  p. 348). 

Durante nossa conversa, o bardo massapeense declamou várias trovas sob temas diversos. Quando me preparava para me despedir do seu Aloísio, ele pegou na estante o livro de sua autoria Que glória é ser trovador, publicado em 1981, e Trovaescreveu de próprio punho os seguintes versos: “Não sou barão, não sou rei,/ Nem sou patente ou doutor,/ Mas sou alguém, isto eu sei,/ Eu sou, meu Deus, trovador”. Na página seguinte, escreveu: “Ao Vasco, conterrâneo idealista, o abraço do Aloísio Bezerra. 27-08-84”. Pegou, também, uma fita cassete com a gravação de uma entrevista que ele concedera à Rádio Assunção e disse que a levasse para ouvir em casa, devendo devolvê-la posteriormente. Não sem constrangimento, confesso que não devolvi a fita do seu Aloísio.

Sexta-feira passada me lembrei do seu Aloísio. Foi quando me ocorreu a idéia de escrever este texto. Peguei a fita e fui ouvir, depois de vinte e cinco anos, a gravação. Pensei: será que o seu Aloísio ainda vive? Nascido em 1925, ele deveria contar agora 84 anos de idade. Será que o seu telefone ainda é o mesmo? Tive vontade de ligar, mas senti algum temor. Como eu iria me dirigir a quem atendesse a ligação? Resolvi arriscar. Para minha surpresa, uma mulher me atendeu muito amavelmente e informou que o Sr. Aloísio se encontrava, sim. Na ocasião, porém, não pôde atender a minha ligação. Fiquei de retornar.

Hoje estou mandando passar a gravação da fita para CD, para levar para o seu Aloísio. Decidi que escreveria este texto antes de reencontrá-lo, devendo escrever um segundo, depois do nosso encontro. Há pouco interrompi este texto, fui à sala e, tendo por fundo musical “O Trovador”, liguei para seu Aloísio. Ouvi do outro lado da linha uma voz masculina. Qunado eu disse: “- Gostaria de falar com o Sr. Aloísio”, ouvi do outro lado da linha a resposta:  “– É ele quem está falando”. Informei-lhe que era um conterrâneo de quem ele certamente não lembraria, mas que eu estivera com ele há 25 anos. Indagou: “- Como você sabe disso?” Respondi: “- Porque tenho um livro seu, Que glória é ser trovador!, autografado para mim no dia 27 de agosto de 1984”. Ele completou: “- Aquele azulzinho?” Respondi: “- Exatamente!”. Combinei de ir à sua casa na quarta-feira, às dez horas.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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