krishnamurti4Quanto mais lutamos contra um hábito, tanto mais vida lhe damos. O hábito é uma coisa morta e não deveis lutar contra ele nem resistir-lhe; mas, com a percepção da verdade sobre o descontentamento, o passado terá perdido toda a sua significação. Embora doloroso, é maravilhoso estar-se descontente, sem procurar asfixiar essa chama com o saber, a tradição, a esperança, as realizações. Deixamo-nos absorver no mistério das realizações humanas, nos mistérios da igreja, ou do avião a jato. Ora, isto também é superficial, vazio, conducente à destruição e ao sofrimento. Há um mistério, que se acha muito além das capacidades e faculdades da mente. Não podeis buscá-lo nem chamá-lo; ele deverá vir sem o pedirdes, e com ele vem também uma bênção para o homem.

Jiddu Krishnamurti

Krishnamurti, Jiddu.  Reflexões sobre a vida. Tradução de Hugo Veloso. – 14ª ed., São Paulo: Cultrix, 1995, p.167].

Sua grande paixão foi o homem e sua infindável busca por ir além da própria mente e atingir o ponto no qual tanto o tempo quanto o espaço são transcendidos. Por isso ele gostava tanto da palavra atemporalidade, o que, aliás, lhe valeu o convite para alguns encontros com o físico David Bohm, ocorridos entre abril e setembro de 1980, cujo tema principal foi a possibilidade de eliminação do tempo psicológico. Querido e admirado no mundo inteiro, percorreu diversos países proferindo palestras e participando de debates. Por várias vezes quiseram fazer dele um Mestre e nunca lhe faltaram candidatos a pretensos discípulos, sempre recusados com veemência, pois nada lhe era mais alheio que a alcunha de Mestre. Ainda assim, ele acabou se impondo como um grande Mestre, ainda que à revelia de si mesmo. Refiro-me ao indiano Jiddu Krishnamurti.

A primeira vez que vi este nome foi quando ainda adolescente, em Massapê, ao ganhar do meu pai uma coleção de vinte volumes intitulada Biblioteca Planeta, um dos quais trazia textos de Krishnamurti. Muitos anos, porém passariam até que eu me dedicasse de forma mais aprofundada aos seus escritos, o que só aconteceu no início dos anos noventa. Jiddu Krishnamurti nasceu na Índia em 1895. Com a idade de 13 anos passou a ser educado pela Sociedade Teosófica, ordem iniciática fundada por Helena Blavatsky. A Sociedade Teosófica considerava Krishnamurti um predestinado, nascido com o objetivo de ser um grande mestre, o que ele recusou. Preferiu seguir sozinho seu caminho, pois acreditava que a verdade deveria ser buscada no próprio homem, estando além das instituições e credos religiosos, filosóficos ou de qualquer outra natureza. Faleceu em 1896, aos noventa anos. O compêndio de seus escritos, palestras e diários resultou num legado de mais de 60 livros.

Para Krishnamurti, o homem era, em última instância, a resposta para si mesmo: “O problema do indivíduo é também problema do mundo; não há dois “processos” separados e distintos. O que nos interessa, de certo, é o problema humano, não importando se o ente humano está no Oriente ou no Ocidente, o que, afinal, é apenas uma arbitrária divisão geográfica”  (p. 188).

Mas como encontrar a resposta? O problema todo estaria nas alternativas erradas que o homem tem adotado em sua incessante busca de resposta. Pensa ele que a solução está na mente e sua portentosa capacidade raciocinante. Engana-se, porém, ao pensar assim. Afirma o Mestre: “A mente está cônscia de não poder captar, pela experiência e pela palavra, aquilo que permanece sempre, atemporal e imensurável” (p. 264). De fato, “A própria atividade da mente é um obstáculo à compreensão de si mesma. Nunca notastes”, indaga Krishnamurti, “que só há compreensão quando a mente, como pensamento, não está funcionando?” E completa: “A compreensão se apresenta com o terminar do processo do pensamento, no intervalo entre dois pensamentos” (p. 33).

É preciso, portanto, atingir o estágio para além do pensamento, para além das elucubrações que a mente insiste em tecer, não deixando nenhuma brecha para o repouso onde o Real se insinua e se mostra. Ler Krishnamurti me faz lembrar, o tempo todo, os mestres Zen-budistas. Ambos falam a mesma coisa, embora numa perspectiva diferente. Até as palavras usadas são muitas vezes as mesmas, embora Krishnamurti nunca tenha professado o Zen. A mente e sua infindável tagarelice se constitui na pedra de toque de ambos.

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles