Artigo de padre Rafhael Maciel, Reitor do Seminário Propedêutico da Arquidiocese de Fortaleza e Missionário da misericórdia.

Pregação na Celebração Jubilar dos Sacerdotes da Arquidiocese Metropolitana de Fortaleza, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Outeiro da Prainha, durante a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus – Dia Mundial de Oração pela Santificação dos Sacerdotes.

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Na oração para o Ano da Misericórdia o Papa Francisco nos faz rezar dizendo assim: “Vós quisestes que os Vossos ministros fossem também eles revestidos de fraqueza para sentirem justa compaixão por aqueles que estão na ignorância e no erro: fazei que todos os que se aproximarem de cada um deles se sintam esperados, amados e perdoados por Deus”.

Meus irmãos Bispos e Padres, nós nos reunimos nesse dia do Sagrado Coração de Jesus para celebrarmos nosso Jubileu, dentro do Ano Santo da Misericórdia. Gostaria que pensássemos agora nessa passagem da oração, que citamos acima. O Papa, na Bula “Misericordiae Vultus”, n. 17 diz: “Com convicção, ponhamos novamente no centro o sacramento da Reconciliação, porque permite tocar sensivelmente a grandeza da misericórdia (…) não me cansarei jamais de insistir com os confessores para que sejam um verdadeiro sinal da misericórdia do Pai. Ser confessor não se improvisa. Tornamo-nos tal quando começamos, nós mesmos, por nos fazer penitentes em busca do perdão.

Padre Rafhael Maciel. Foto: Faculdade Católica.

Padre Rafhael Maciel. Foto: Faculdade Católica de Fortaleza

Nós somos por um lado INSTRUMENTOS DA MISERICÓRDIA DE DEUS, mas por outro somos ALVO DA MISERICÓRDIA DE DEUS. Entendamo-nos pecadores, necessitados da Misericórdia divina. Vejamos:

  1. Nós não somos maiores do que os que se aproximam de nós para confessar seus pecados e serem absolvidos. Talvez tenhamos pecados maiores e mais graves que alguns do que se aproximam de nossos confessionários. Temos fraquezas, e é preciso que tomemos consciência do barro com que somos feitos. Isso nos ajudará a não fazer de nossos confessionários “uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor” (Evangelii Gaudium, n.44). Por isso, nós Sacerdotes, devemos ser os primeiros a nos aproximarmos do confessionário, com o coração arrependido e desejoso de renovar a vida. Necessário se faz que tenhamos um coração que “nunca se fecha, nunca se refugia nas próprias seguranças, nunca opta pela rigidez autodefensiva” (idem, n.45). Assim, somos alvo da misericórdia de Deus quando nos aproximamos com piedade e devoção sincera da absolvição sacramental – perdoados para aprender a perdoar.

O Papa Francisco com toda sobriedade comenta: “Se você não for capaz de falar sobre seus erros com o seu irmão, pode estar certo que não será capaz de falar com Deus, e assim acabará por se confessar com o espelho, diante de si mesmo” (Francisco, O nome de Deus é misericórdia, p.52). Cremos que agimos in persona Christi, que é Ele quem age; por isso deixemos que outro irmão nosso Sacerdote imponha suas mãos sobre nós, alvos da misericórdia de Deus, e nos conceda a graça do perdão sacramental.

  1. É na Solenidade do Coração de Jesus que celebramos esse dia de Jubileu e de oração pela nossa própria santificação. Bento XVI dizia há alguns anos que a expressão ‘o Sacerdote é o amor do Coração de Jesus’, “utilizada pelo Santo Cura d’Ars evoca também o Coração traspassado de Cristo com a coroa de espinhos que O envolve. E isto leva o pensamento a deter-se nas inumeráveis situações de sofrimento em que se encontram imersos muitos sacerdotes, ou porque participantes da experiência humana da dor na multiplicidade das suas manifestações, ou porque incompreendidos pelos próprios destinatários do seu ministério: como não recordar tantos sacerdotes ofendidos na sua dignidade, impedidos na sua missão e, às vezes, mesmo perseguidos até ao supremo testemunho do sangue?” (Carta aos Sacerdotes, 18 de junho de 2009).

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Certamente também somos alvo da misericórdia divina quando sofremos as angústias da incompreensão, da difamação, da inveja, da calúnia, da vaidade de outros que se sentem feridos pelos êxitos pessoais de outro Sacerdote. Sofremos, sim, mas é preciso aprender a entregar essas dores no Coração de Jesus, que por nós foi aberto. São Paulo disse: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo em minha carne, por seu corpo que é a Igreja.” (Cl 1,24). É bem isso meus irmãos. Mas, sinal de que cremos confiantemente na misericórdia de Deus é também exclamar com o Apóstolo: “Sei em quem coloquei minha fé”.

  1. Outro aspecto da nossa necessidade de misericórdia é que nós Sacerdotes temos muito a oferecer a quem nos procura, mas ao mesmo tempo em que somos necessitados de perdão também somos alvos da misericórdia de Deus quando nos tornamos o próximo para outras pessoas; quando, deixando de lado a autorreferencialidade deixamos que outros nos amparem com suas dádivas. Não temos tudo, não possuímos tudo – isso significa que algo que outro possui pode ser “complemento de misericórdia” de Deus para nós.

Por isso mesmo os fieis leigos em inúmeras ocasiões acorrem ao nosso encontro com bens materiais, com seus dotes profissionais, e até mesmo com seu consolo e auxílio. Assim, tenhamos em conta que a misericórdia de Deus para conosco requer que abramos o coração para reconhecer que somos “mendigos”, homens que se entendem necessitados; por isso, é vital que afastemos de nós toda a arrogância, pois “a soberba compromete cada boa ação, esvazia a oração, afasta de Deus e dos outros. Se Deus prefere a humildade não é para nos lamentarmos: a humildade é, em vez disso, condição necessária para ser levantado por Ele, de forma a experimentar a misericórdia que vem encher os nossos vazios” (Papa Francisco, Catequese 01/06/2016).

Foto: Joca de Deus é Pai.

Foto: Joca de Deus é Pai.

Meus irmãos, vimos até aqui que há alguns modos de sermos flechados pelos dardos da misericórdia divina: o reconhecer-se pecador e pedir o perdão sacramental; a entrega dos sofrimentos e angústias nas mãos do Senhor sabendo que Ele não nos abandona; o sentir-se “mendigo”, para deixar que as outras pessoas sejam um canal para que a Graça da Misericórdia preencha minhas necessidades.

Lugares de Misericórdia

Antes de terminar, vou abordar com vocês mais alguns lugares essenciais nos quais nós somos alvos diretos do amor misericordioso de Deus.

Primeiro a oração. Não há dúvidas de que a oração pessoal e depois comunitária é vital para a vida do Padre. Na oração podemos nos apresentar a Deus como somos e como estamos naquele exato momento. Podemos dizer a Ele tudo e tudo Ele fará por nós. Inclusive dando-nos as consolações necessárias. Deste modo, o Santo Padre Francisco dizia aos Sacerdotes em Roma, no dia de ontem (02/06/2016), ao citar Santo Inácio de Loyola: “‘Não é o muito saber que enche e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear as coisas de Deus interiormente’. Santo Inácio acrescenta que, onde uma pessoa encontrar o que deseja e sentir gosto, ali se há de deter para rezar “sem ânsia de passar adiante, até que o satisfaça”. Para receber muitas graças visite muitas vezes o Santíssimo Sacramento, dizia São João Bosco. O Papa tantas vezes tem insistido na prática da Adoração ao Santíssimo Sacramento. E se o faz é porque sabe que o adorador pode haurir grandes tesouros da misericórdia de Deus nestes tempos de silêncio e de escuta do Senhor.

Gostaria de lembrar que o Papa falou da liberdade que a Misericórdia faz com que as pessoas vivam. Se for assim para com todos os “misericordiados”, quanto mais não o será para nós, sacerdotes. Por isso, as estruturas em que vivemos devem ser reflexos da misericórdia de Deus, de modo que mesmo as instâncias curais sejam lugares de perdão e de alegria. Ainda podemos pensar, neste caso, em como vivemos assoberbados por tarefas e atividades, desde a celebração dos Sacramentos até as questões administrativas. Bento XVI e Francisco já falaram em diversas ocasiões sobre o tempo de “férias” dos Padres; de um tempo necessário de descanso. Talvez algum zelo pastoral mais inflamado diga: “eu preciso doar a vida inteira pelo meu povo”. Isso é importante. Mas, é bom não esquecer que a vida inteira deve ser doada a Deus, no serviço ao povo que é de Deus. Para cuidar bem desse povo é preciso viver um tempo de misericórdia, que podem ser as nossas férias e mesmo as nossas “segundas livres”. Cuidar, deixar-se cuidar, para poder cuidar dos outros em nome de Deus. Afinal, diz o Santo Padre que “A misericórdia livra-nos de ser um padre juiz-funcionário” e ainda: “não se deixem levar pela vã pretensão de mudar o povo, como se o amor de Deus não tivesse força suficiente para o mudar”.

Por fim, gostaria de lembrar, com o Papa Francisco, de um lugar teológico, mas que muito mais que isso, é um lugar de amor. Os braços maternos da Virgem Maria. Disse o Papa aos Bispos e Padres em Santa Maria Maior, no dia ontem (01/06/2016), que o olhar de Maria é o olhar da atenção, pois ela “se concentra e se envolve inteiramente com a pessoa que tem à sua frente, como uma mãe quando só tem olhos para o seu filho que lhe conta alguma coisa”. E por isso é preciso que nós Padres aprendamos a receber a misericórdia uns dos outros, com o olhar de atenção de Maria, a Virgem de Aparecida. “Nestas situações, alertou o Papa Francisco, nunca falte a sua paternidade de bispos para com os seus sacerdotes. Encorajem a comunhão entre eles; façam com que possam aperfeiçoar os seus dons; insiram-nos nas grandes causas, porque o coração do apóstolo não foi feito para coisas pequenas”. Eu diria, com alguma pretensão, que nós Padres, entre nós, devemos nos ajudar mutuamente com palavras de encorajamento e não darmos espaço para a divisão que coroe a vida da Igreja, a nossa vida interior e não nos deixar sentirmo-nos alvos da misericórdia do Senhor.

O Espírito Santo nos ajude para sermos “misericordiosos como o Pai”.

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Vanderlúcio Souza

Padre da Arquidiocese de Fortaleza. À busca de colaborar com a Verdade.

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