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Fora da Espanha, o quadrinho de humor “Mortadelo e Salaminho” (Mortadelo y Filémon, no original), criada por Francisco Ibañez, tem um alcance limitado. Ancorada no absurdo, as historietas acompanham uma atrapalhada dupla de detetives que, com altas doses de incompetência, resolvem casos completamente insanos. Alvo de adaptações para diversas mídias, a obra ganhou uma versão belamente animada em 2014, uma repaginação de personagens que seguem sendo publicados 60 anos após a gênese.

Mais uma vez, a missão de adaptar os personagens coube a Javier Fesser, que em 2003 dirigira a versão live-action e “Mortadelo e Salaminho – Agentes Nada Secretos”, protagonizada por Benito Pocino e Pepe Viyuela. Dessa vez em animação, “Mortadelo e Salaminho: Missão Inacreditável” aposta no imponderável e na subversão de expectativas para buscar uma evolução nos personagens.

A introdução dos protagonistas é quase brilhante. Como numa paródia de séries cinematográficas como “007” ou “Missão: Impossível”, a obra apresenta Salaminho (Marco Luque) como alguém surpreendentemente bem sucedido, à revelia de qualquer lógica. É como se, após anos de fracasso nos quadrinhos, ele finalmente tivesse atingido o ápice do sucesso na animação. Nesse mundo de fantasia, os personagens principais e conflitos são introduzidos. Até a bela quebra de expectativa, quando a vida medíocre de Salaminho é escancarada. A trama central se foca na perseguição de Mortadelo e Salaminho ao vilão Jimmy O Doidão, que roubara um cofre da agência de informações dos protagonista pela 30ª vez. Ao mesmo tempo, os dois são perseguidos por Quebra-Ossos, antagonista antigo que saiu da prisão com a missão de virar Salaminho ao avesso – isso se algo não o “inverter” antes.

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O filme segue uma lógica de linhas paralelas. E se Salaminho fosse, de fato, charmoso? E se o malvado Quebra-Ossos (Tronchamulas, no original) fosse revertido e virasse um ser inofensivo? A ideia central funciona, até porque o longa-metragem, em si, propõe uma mudança de direção na base de animações. Explico: se hoje a tristeza é contraponto a comédia, “Mortadelo e Salaminho” aposta mais no humor escrachado e na violência.

Esmagados, humilhados, espancados, revirados, os protagonista da obra sofrem em um nível incômodo. Hoje, tudo isso parece até excessivo. Com o tempo, esse embaraço se converte num verdadeiro constrangimento dado à recorrência de piadas machistas. Não é confortável ver uma animação tratar mulheres como objetos. Com o desenrolar da trama e a repetição dos episódios de violência, o roteiro parece estanque, com uma curva dramática forçada pelo absurdo das situações.

Ágil e movimentado na ação, o “Mortadelo e Salaminho” apresenta uma inventividade impressionante. O humor que transparece do roteiro previsível, porém, deixa a obra infelizmente unidimensional.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 4/8


Ficha técnica:

Mortadelo e Salaminho: Missão Inacreditável (2014, ESPANHA). Comédia em animação. 91 minutos. 10 anos. De Javier Fesser.

Filme em cartaz em Fortaleza no Cinépolis RioMar.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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