Laura (Dafne Keen) e Logan (Hugh Jackman)

Bem antes de super-heróis no cinema virarem moda e um novo filme brotar a cada esquina, Charles Xavier (Patrick Stewart) guiava um jovem time de mutantes no cinema. Lá, o Professor X era o mentor de uma equipe que tinha no “selvagem” Logan/Wolverine (Hugh Jackman) o seu ponto de tensão. Passados 17 anos e oito longas e, finalmente, as violências externas e internas do personagem dos quadrinhos finalmente foram traduzidas para o cinema. “Logan”, de James Mangold, funciona ao mesmo tempo como uma “passagem de bastão” e uma homenagem a trajetória de Hugh Jackman em sete dos oito filmes dos mutantes da Marvel adaptados pela Fox.

Dos elencos originais, só Jackman e Stewart retornam. Não por coincidência. Na construção dos X-Men, a figura de Charles Xavier é mais do que a de um professor – ele é um pai do grupo de jovens. Em “Logan”, o personagem-título vive em um violento futuro pós-apocalíptico no qual se divide com Caliban (Stephen Merchant) como babá/enfermeiro de um semidemente Xavier. É nesse contexto que Logan, que ganha a vida como motorista de luxo, encontra a jovem Laura (Dafne Keen), criança mexicana com avançado poder de regeneração, garras inquebráveis de adamatium e uma selvageria indomável. Familiar, não?

Há um sentimento de paternidade perpassando todo o longa

As semelhanças de “Logan” com as outras adaptações de “X-Men”, no entanto, acabam já na sequência inicial. As características ultraviolentas do personagem nos quadrinhos sempre foram “domadas” no cinema, de forma a alcançar uma classificação indicativa mais ampla. Assim, as garras afiadas não arrancavam membros, decepavam vilões ou mesmo tiravam sangue das vítimas. Tudo isso fica no passado logo de cara. “Logan” é quase como um jogo de videogame: os desafios aumentam e o banho de sangue fica mais divertido. O contraste fica ainda maior se comparado ao péssimo “X-Men Origens: Wolverine” (2009) e ao medíocre “Wolverine: Imortal” (2013), os dois filme-solo do carcaju canadense.

Um aspecto essencial para o desenvolvimento é a fragilidade do personagem. Nesse futuro próximo, ele está mais velho e o fator de cura falha. Já Laura, baseada em X-23 – clone de Logan nos quadrinhos –, é a antítese disso. Os dois, juntos ao moribundo Professor X, resolvem fazer uma viagem rumo ao “Éden” para salvar a pequena mutante da corporação que a criou. Inteligentemente, o filme se transforma em um road movie que se move em direção à redenção de um personagem sofrido e marcado por perdas. A lógica é de mostrar Logan como um sucessor relutante do “pai”, Charles, quando X-23 é obviamente uma nova versão de Wolverine. A estrada, cheia de inimigos, acaba sendo a metáfora mais óbvia para construir essa nova realidade.

Xavier (Patrick Stewart) e Logan têm uma relação reinventada

Sentimentos complexos e ação crua dão um tom que deveria ser do personagem desde o primeiro momento. Os dilemas, principalmente no excelente primeiro ato, juntos à inteligente direção de arte que pinta um futuro próximo verossímil e trágico, funcionam como tecido narrativo de uma história que ousa desbravar novas possibilidades para um personagem desgastado.

Falta aqui e ali um pouco mais de ousadia. A travessia entre México e Estados Unidos podia ganhar uma alegoria política e a estrutura de “vilões/chefões”, presente em todos os filmes de super-herói, podia ser quebrada. Mas esse esquema meio repetitivo fica até confortável. Fomos educados a esperar combates de um super-herói contra um  super-vilão de poderes idênticos. E, em perspectiva, “Logan” pede esse descanso dado pela repetição. Paz é o que ele busca há 17 anos nos cinemas.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 6/8

Ficha técnica
Logan (EUA, 2017), de James Mangold. Ação/Drama. 137 minutos. 18 anos.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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