Owen Suskind e desenhos que fez de obras da Disney

Autismo é uma palavra que assusta. Ter um filho com esse distúrbio é um desafio grande, mesmo dentre tantas montanhas que os pais precisam escalar para criar suas crianças. A família Suskind, porém, não só precisou driblar as dificuldades sociais do filho Owen, como lhe viram regredir para um estado não-comunicativo pouco após completar 3 anos. A mãe, Cornelia, diz que viu seu bebê estar, de repente, perdido no próprio corpo – e não havia nada que ela pudesse fazer a respeito.

A ajuda inesperada veio do cinema. Do estúdio da Walt Disney, para ser mais específico. E não foi em dinheiro ou apoio moral. Disponível na Netflix, o documentário “Life, Animated”, de Roger Ross Williams, conta como as animações mais famosas do mundo ajudaram uma criança assustada a encontrar uma voz e começar a entender o mundo. Baseado no livro de memórias de Ron Suskind, pai de Owen, o filme explora, ao mesmo tempo, a força da união de uma família para superar um grande obstáculo e a capacidade do cinema de fazer sonhar. É uma declaração de amor, com toda a amplitude de sentidos que a palavra aceita.

As animações são usadas como recurso narrativo para ilustrar memórias e pensamentos de Owen

O diagnóstico de Owen é diferente do desenvolvimento mais comum do distúrbio. Se normalmente a progressão é gradual, desde o nascimento, no caso do caçula da família Suskind tudo ocorreu mais abruptamente. Um dia, aos 3 anos, ele trocou as falas, em que engatinhava, e a facilidade de locomoção por balbucios e uma série dificuldade para andar. Após meses de investigação veio o diagnóstico: autismo regressivo. Segundo os médicos, talvez Owen nunca mais fosse capaz de dizer uma palavra inteligível e provavelmente necessitaria de cuidados pelo resto da vida. E assim foi, por um ano.

A principal hora de paz, risadas e algo próximo a interação era quando Owen assistia animações da Disney com o irmão mais velho, Walter. Foi ali que ele falou sua primeira palavra após o diagnóstico: uma frase, “jusuvu”, uma repetição balbuciada de algo que Ursula, vilã de “A Pequena Sereia”, acabara de dizer. Passados três anos, ele finalmente conseguiu sair da prisão social que sua mente lhe impusera e disse aos pais que Walter “não queria crescer, como Peter Pan e Mogli”. Owen, cuja mente não conseguia mais ler os aspectos sociais da vida, aprendeu a entender as pessoas a partir das emoções exageradas dos desenhos infantis.

A relação de Owen com o irmão, Walter, é uma das forças do documentário

Um dos aspectos mais bonitos e inventivos do documentário é o uso de animação para explicar aspectos da mente de Owen. Na adolescência, vítima de bullying, o rapaz começou a desenhar personagens secundários (side-kicks, no original) como forma de resistência. Era mais uma vez a Disney, os sonhos e imaginação, vindo ao resgate de alguém que era vítima de um ataque invisível, com poucas possibilidade de se defender. A narrativa ficcional que Owen criou para si e para os “side-kicks” ganha vida e dá mais força a um documentário já recheado de sentimento.

A estrutura do documentário, no entanto, tem alguns problemas. Com quase uma hora de filme, a obra atinge um ápice, com a formatura e jornada para a independência de Owen, que iria morar sozinho pela primeira vez, aos 23 anos. O documentário, no entanto, ainda se estende por mais 40 minutos, até um segundo (e também importante) ápice. Os dilemas amorosos do rapaz são interessantes, mas tratam o centro da trama de forma apenas tangencial e fazem a obra ultrapassar a marca de 90 minutos, o que pesa um pouco para um documentário. Ainda assim, a emoção, as referências e a sinceridade da obra deixam uma marca forte no público.

Cotação: 6/8.

Ficha técnica

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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