A tecnologia mudou o jogo. Se no cotidiano a presença de smartphones, redes sociais e do constante monitoramento por câmeras já é indissociável do fazer social, no cinema há uma abertura de novas possibilidades de construção narrativa. Hoje é fácil assistir a um suspense antigo e dispensar com uma simples constatação de que a existência de um celular alteraria todo o rumo da trama. Buscando…, longa de estreia do diretor e roteirista indo-americano Aneesh Chaganty, é um filho de seu tempo. Um suspense moderno, que entende o quanto a tecnologia apresenta novas possibilidade de construção de um roteiro.

David Kim (John Cho): um pai numa busca desesperada pela filha

O que pega em Buscando… é a simplicidade. O filme nunca sai da casa do protagonista, David Kim (John Cho), um pai cuja filha adolescente, Margot (Michelle La), sumiu misteriosamente. A investigação é feita paralelamente pelo pai e pela detetive Vick (a seríssima Debra Messing). Toda nova descoberta sobre o possível paradeiro ou supostos sequestradores é acompanhada no mesmo ambiente, a casa de David, com ajuda de recursos tecnológicos diversos – Facetime, Facebook, emails, toda a indexação de arquivos da família, vídeos de trânsito etc.

Ao usar formas diferentes, atuais de comunicação, Chaganty consegue compensar a ausência de duas personagens centrais da trama. A primeira é Margot, por motivos óbvios. A segunda é Pamela (Sara Sohn), esposa de David, mãe de Margot e que morreu dois anos antes da parte principal da trama. A personagem é introduzida em um belo prólogo, reminiscente da abertura de Up – Altas Aventuras (2009) – aliás, a comparação com a animação da Pixar é a única forma de tirar a força da sequência. Apesar disso tudo, Pamela é parte integrante de toda a trama, ora pelos vídeos em que a filha fala dela, ora pelas anotações da superorganizada figura materna. Os registros mantêm a personagem viva.

Dentro da investigação sobre o paradeiro de Margot, David aos poucos vai conhecendo aspectos da filha que ignorava completamente. E nisso, a surpreendente capacidade dramática de John Cho – ator conhecido por papeis em comédias – vem muito a calhar. O personagem nunca se martiriza e está pronto para agir o tempo inteiro, liderando a investigação mesmo quando uma experiente detetive aceita o caso. O filme varia entre a tensão do suspense e o drama pessoal de Margot, uma adolescente, dentre tantas, excluída socialmente, fragilizada por uma perda e que recorre a amigos online por um conforto que não encontra no mundo offline.

A tecnologia é personagem frequente na obra

Existem duas Margots, a do pai (offline) e a das redes sociais. David só conhece uma e descobrir a outra pode ser a chave para desvendar o mistério sobre o sumiço da moça. Ao povoar toda a trama com recursos tecnológicos, Chaganty faz mais do que apelar com ferramentas modernas para dar um ar de novo ao filme. Ele mostra o abismo entre o contato constante e a intimidade de verdade. Pai e filha se falam o tempo inteiro, mas com que frequência conversam de fato? A dinâmica entre David e Margot é a de muitos, de milhões. De quase todos. É um filme capaz de entender os tempos atuais e discutir problemas fundamentais da nossa sociedade. Uma obra que só poderia ser feita hoje.

Como dito anteriormente, uma das forças de Buscando… é justamente a simplicidade. Pai. Filha. Mãe morta. Casa vazia. Solidão online. Amizades online. Sumiço. Investigação. Num primeiro olhar, não existe tanta complexidade na trama. Aos poucos, porém, o filme se desgarra na profundidade das personagens e vai mostrando fôlego até demais. Existe ali uma tentação pelo grandioso, pela reviravolta brusca e pelo maravilhamento fácil do público. Chaganty inclusive referencia Garota Exemplar (2014), de David Fincher, suspense conhecido pela pirotecnia do roteiro.

Um pequeno grande filme, Buscando… traz boas novidades. É uma quebra ver uma família asiática (coreana-americana) protagonizar uma obra hollywoodiana. A presença de John Cho, o Harold de Madrugada Muito Louca, num drama/suspense é das mais acertadas. A melhor novidade, no entanto, é Aneesh Chaganty. Que seja o primeiro longa-metragem em uma trajetória de muitas décadas de cinema.

Cotação: nota 6/8

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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