A maravilhosa Leny Andrade será atração esta noite no Jazz Ao Pôr do Sol, no Iate Clube. Entre outras boas canções, ela apresenta por aqui seu mais novo trabalho Alma mía (Fina Flor) com 14 boleros interpretados com a classe que a Ms. leny é capaz de dar. Conheça mais sobre este trabalho pelas letras do jornalista Richell Martins.

Alma mía é o nome do álbum mais recente da cantora Leny Andrade. Lançado neste ano, traz 14 faixas em espanhol, num passeio muito bem guiado pela América mais latina, através do bolero. Apesar disso, ao abrir as cortinas, ouve-se a versão bolerada de um tango dos mais famosos e veteranos: El día que me quieras, que foi gravada pela primeira vez há 75 anos (1935), para um filme homônimo, cujo protagonista foi seu próprio compositor, Carlos Gardel. Aliás, coisa que pouco se sabe é que a letra deste tango é de um brasileiro (paulista, de nacionalidade argentina): o jornalista, escritor e letrista Alfredo Le Pera. E, é claro que, amadurecida em bolero, El día que me quieras ganhou dose maior de paixão.

O disco tem a produção de Fernando Merlino. Experiente instrumentista e arranjador, carrega no caderninho de colegas de trabalho gente grande como Chico Buarque, Maria Bethânia, Roberto Menescal, Jamelão, Rildo Hora, Caetando Veloso etc, e com quem Leny trabalha desde o início dos anos 1990.

A direção artística é regida pelo maestro Ruy Quaresma, uma das pérolas do arranjo e da composição alavancadas pelo contato com o maestro Radamés Gnatalli, no Brasil. Assim como Merlino, trabalhou para a TV Globo, fazendo estágio de arranjador de orquestra. Hoje, não só administra discos, como um bar na zona mais boêmia do Rio de Janeiro – a Lapa.

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Alma mía dispensou antigos clichês do bolero – nada dos bongôs previsíveis que se derramam constantes com Simone, por exemplo! Ausência que não é surpresa. Afinal, estamos tratando da melhor cantora jazzística do Brasil, fermentada na Bossa Nova, com aquele sabor Johnny Alf na voz de crooner e formação clássica de piano no currículo. A sustentação está clara, principalmente, no baixo de Jamil Joanes e na bateria de Erivelton Silva.

Repertório que não brinca em serviço, traz logo Sabrá Diós, uma das peças que, a qualquer momento, pode ser ouvida da Colômbia ao Japão com o mesmo reconhecimento. Cantada de Nelson Ned a Plácido Domingo, ganhou em Leny uma pitada dançante, à moda da brasileira Anos Dourados.

Em Alma Mía (María Grever), que dá título ao CD, claro sabor feminino entre composição e interpretação. Nela, acende-se a luz sobre o piano de Fernando Merlino, formando o par redondo com a melancolia apaixonada do bolero que canta “si yo encontrara un alma como la mía/ cuantas cosas secretas le contaría”. É a mesma luz que ressalta outra vez, mas com orquestrações de fim de tarde, em Entonces (Arturo Castro).

A assinatura dá-se faixa a faixa, no caminho romântico do bolero. Em Lluvia en la tarde (Arturo Castro), é a Leny que é jazz, que é nossa Fitzgerald generosa, singela e brilhante, vocalizando a melodia que faz chover à tarde, fácil, na imaginação.

Vete de mi (dos irmãos Expósito), que o Brasil ouviu por Caetano Veloso, está aí para tocar em qualquer noite de gala, ao som do saxofone de Júlio Merlino. De versos fáceis, Como fue (do cubano Ernesto Duarte), a que nem o mestre Ibrahim Ferrer resistiu, é de se fechar os olhos e sentir-se estar à mesa de um café em Havana, de frente pro mar de Copacabana.

Reflexos dos cinco anos em que a cantora morou no México, românticos mexicanos e cubanos não poderiam – nem deveriam – ficar fora do álbum. Álvaro Carrillo, Vicente Garrido e Armando Manzanero foram muito bem visitados. Este último, até num tom de homenagem, na gravação de Mía com belos arranjos para cordas, como é comum em seus outros sucessos. Um dos maiores boleros de Garrido (compositor mexicano morto em 2003), Te me olvides está como sempre foi – uma canção para se cantar tranquilamente ao piano, entre uma taça e outra.

O tostão de açúcar é saboreado com a inconfundível Eclipse de luna. Só pra eximirmos a tentativa de apresentar sua importância, vale tirá-la da prateleira dourada com a tarja “João Gilberto”, no acervo de interpretações inesquecíveis, e trazê-la de volta aos ouvidos, em Alma mía. A naturalidade evidente da interpretação de Leny quase nos faz pensar ouvi-la em português, como se cantasse “olha que céu / está cheio de estrelas / longe é o céu // olha pro céu / mil estrelas que vão”.

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Dizendo adiós antes da hora, triste em Nosotros (Pedro Junco), se faz de novidade num bolero-madrugada (Llevatela, de Manzanero), para amanhecer de porre, café-da-manhã na cama, ar novo nos pulmões em Una Mañana, versão em espanhol de Morning, do octagenário norte-americano Clare Fischer. É como dançar antes do primeiro trago, na recepção do hotel.

Leny, Leny… pra quê mais?

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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