Matéria publicada no Jornal O Povo (21-05-2011)

Para alguns artistas o exercício da modéstia é bem difícil. Esse é o caso de Leny Andrade. A cantora carioca completa este ano 50 anos desde que estreou com o disco A Sensação (RCA Victor). Ao longo desse tempo, ela adotou uma mistura de estilos brasileiros com forte sotaque jazzístico e tronou-se uma referência no assunto. Cantando pelo mundo em palcos nobres como o Lincoln Center, esta carioca de sotaque carregado conheceu nomes como Ella Fitzgerald, Tony Bennett, Liza Minelli, Dionne Warwick e Sarah Vaughan. “Estou num ponto em que eu tenho que agradecer muito”, afirma Leny.

Vivendo numa ponte aérea entre Rio de Janeiro e Nova York, ela dá um pulo esta noite em Fortaleza para cantar no BNB Clube de Cultura, após a apresentação do cearense Luizinho Duarte. Durante uma longa conversa no Bar do Papai, após um dia exaustivo de viagem e ensaio, ela adiantou que pretende passear por vários standards de sua carreira. “O objetivo é agradar mesmo. Isso já dá certo há muitos anos”, explica Leny que será acompanhada por um quarteto cearense formado por Tito Freitas (piano elétrico), Miquéias dos Santos (baixo), Cainã Cavalcante (guitarra) e Ricardo Pontes (bateria).

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No repertório desta noite também não vão faltar canções de Alma Mia, seu disco de boleros lançado em 2010. O projeto era um sonho antigo de Leny, que morou por seis anos no México (1966 a 1972). Lá, ela conviveu com grandes astros da música, cantou em boates e viveu “romances excelentes”. “Lá eu tive do bom e do melhor. Minha casa tinha teto solar que abria com um botão e jacuzzi, numa época que ninguém sabia o que era jacuzzi”. Com tantas lembranças e mordomias, não foi difícil pra ela selecionar um repertório. “Já tenho músicas pra mais dois discos de bolero”, revela a cantora enquanto se delicia com um prato de carne de caranguejo.

Assim como o bolero, o samba-jazz é algo marcante na sua história. Sempre com o nome ligado à turma da Bossa Nova, Leny se notabilizou pela pela sofisticação e pela facilidade que tem com o improviso. Mesmo quando aceita um projeto que parece diferente do seu ambiente, ela vê o que pode acrescentar ali de seu. Foi o que aconteceu quando foi convidada pelo produtor Paulinho Albuquerque para gravar um disco somente com músicas do sambista Cartola. “Eu conheço duas ou três músicas dele e você vem atrás de mim?”, foi sua primeira resposta. Mas, ao saber que o arranjador do disco seria o maestro carioca Gilson Peranzzetta, ela passou a acreditar na proposta. “Nem nascendo de novo, vão fazer outro (disco do) Cartola igual ao que eu fiz. Assim como nunca vai nascer outro Gilson Peranzzetta”, confirma.

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Dona de uma interpretação jazzística inspirada em Shirley Horn e Carmen McRae, Leny Andrade sente falta de “coração” em quem faz música atualmente. “Quando não há coração, na há ponte. O que tem muito hoje é fogo de palha”. Como exceção a essa regra, ela aponta nomes como Lenine, Clarisse Grova e Simone Guimarães. Quem também impressionou a cantora durante a entrevista foi o sambista Carlinhos Palhano. Ela ouviu, reconheceu a música (Eu e a Brisa do amigo Johnny Alf) e acompanhou o ritmo batendo palmas levemente. Ao fim da canção, ela deu o aval. “É isso aí. Quando o cara nasce pra fazer, faz bem feito. Quando não, só faz merda”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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