Se 2009 foi o ano de Wilson Simonal, 2010 foi o ano de Itamar Assumpção. Cantor, compositor, pensador e provocador, o paulistano de Tietê é uma das figuras mais emblemáticas da Vanguarda Paulistana, movimento de fins dos anos 70 que introduziu uma nova linguagem musical pelas mãos de novos talentos como Arrigo Barnabé e do grupo Rumo. Cantado em verso e prosa por Alzira Espíndola, Rita Lee, Ná Ozzetti e outras vozes, infelizmente, Itamar nunca teve o reconhecimento que merecia. Somente no ano passado ele pode ver todos os seus discos resgatados e embalados na luxuosa Caixa Preta, projeto, inclusive, idealizado por ele mesmo. Avesso a qualquer tipo de simpatia obrigatória, ele não era de fazer concessões ou de abrir mão dos próprios direitos como compositor. Por isso mesmo, foi um guerrilheiro que lançou 11 discos de forma independente. Hoje isso é normal, mas na época, era disco mesmo, LP, e isso não era nada barato. Com o intuito de resgatar as histórias tragicômicas deste Quixote brasileiro, Itamar Assumpção é recriado no documentário Daquele instante em diante, de Rogério Velloso, que inaugurou a série Iconoclássicos *, do Itaú Cultural. Trazendo depoimentos preciosos de gente que esteve ao lado de Itamar, como os integrantes das bandas Isca de Polícia e Orquídeas de Brasil (bandas que o acompanharam em disco e shows), o filme segue uma ordem cronológica tendo como base os discos do compositor. Dessa forma, foi possível construir um panorama sobre a construção do Nego Dito (sua personificação musical), a mudança para uma banda só com mulheres e uma tentativa de ser popular gravando Ataulfo Alves (1909 – 1969). Nas entrelinhas, ficam as impressões de um batalhador, que nunca deixou de ter problemas financeiros, bom pai, bom amigo,  e ser humano intempestivo e temperamental.

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A ausência de medalhões da MPB no filme reforçam a ideia do quão impopular Itamar Assumpção podia ser, apesar de ter sido sucesso nas vozes de Zélia Duncan, Cássia Eller (1962 – 2001) e Ney Matogrosso. As imagens contidas em Daquele instante em diante são retiradas, principalmente de shows e programas de televisão. Em todas, o Nego Dito não dispensava seus óculos extravagantes e seus figurinos exóticos. Certamente, uma das marcas da obra de Itamar foi o fato dele ter exposto seus dramas e conquistas pessoais em forma de música. É como se nada do que ele fizesse fosse segredo. Tudo que foi registrado é real. E o filme foi bem hábil em captar a essência das canções. Longe de cair no sentimentalismo barato, o filme encerra com imagens do último show de Itamar Assumpção, realizado uma semana antes dele falecer em 12 de junho de 2003, vítima de câncer. Mesmo magro e debilitado, ele não deixava de lado a oportunidade de expressar suas urgências em forma de música. Sua melhor biografia está nos encartes dos discos. A filha Anelis Assumpção, inclusive, comentou com o diretor Rogério Velloso que gostaria de matar a saudade do pai com este filme. Um pedido difícil e uma grande responsabilidade que perpassa cada cena. O resultado é emocionante, irretocável, sensível e necessário a todos que se dizem fãs de boa música. Assim como é o próprio Itamar Assumpção.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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