Foto: Sara Maia/ O POVO

Quando Dado Villa-Lobos chamou o cearense Jonnata Doll para cantar no seu show na Praça Verde do Centro Dragão do Mar, afirmando ser alguém que “logo todos vão conhecer”, uma parte do público levou um susto. Contrastando com a figura séria e sóbria do guitarrista da Legião Urbana, o vocalista dos Garotos Solventes remexia seus 57 kg como se estivesse pisando em brasa quente. Com a voz rouca e poderosa, ele cantou Namorada Fantasma, Ainda É Cedo e Por uma dose de amor, enquanto o anfitrião parecia um coadjuvante.

Diferente da figura que em cena se joga no chão, berra e se contorce, Jonnata Araújo dos Santos, 30, é bem dócil fora do palco e até se diz tímido. Convidado pelo O POVO para contar sobre sua vida e sua carreira, ele antes pediu uma cerveja para poder acalmar os nervos. O local escolhido para a conversa foi o Passeio Público, onde o cantor sugeriu um passeio pelos bares e bordéis da região para a sessão de fotos. O lugar traz a ele boas lembranças de quando tocou com sua banda no tradicional Motel 90.

A atração de Jonnata Doll – codinome artístico em homenagem à banda New York Dolls – pelo lado marginal da sociedade é como uma resposta aos seus primeiros anos de vida. Crescendo sob as duras regras de uma família evangélica, ele parecia não se interessar muito pelas proibições e já sonhava ter uma banda. Mais ainda quando descobriu o rock no filme The Wall, marco na carreira do Pink Floyd. Morador do Bairro Álvaro Weyne, ele se juntou a uma turma de amigos que apelidou de Jack Boys e passou a perambular pela Cidade trajando jaqueta e blusa do Ramones.

Para realizar seu sonho adolescente, por volta dos 16 anos, Jonnata Doll montou a banda Kohbaia e começou a cantar sobre viciados, prostitutas e outros personagens do submundo. Implodida por conta de um dos maiores clichês do rock, o abuso das drogas, a banda deu lugar em 2009 aos Garotos Solventes. Ele mesmo já teve problemas com drogas e, negando os arrependimentos, transformou suas experiências em música. No entanto, a mudança para o que ele chama de “um esquema mais profissional” não trouxe prejuízo para o lado performático do vocalista que continua transformando cada apresentação num happening.

Quando pisa num palco, Jonnata se entrega de tal forma que nem ele sabe onde vai acabar. Incorporando deuses da música como Michael Jackson, Freddie Mercury e Jim Morrison, ele se joga no chão, lambe o pedestal do microfone e se rebola como se seu corpo fosse feito de borracha. “Parece que eu tenho que me ferir pro público gostar”, confessa ele meio contrariado ante de mostrar as marcas que ganhou no show com Dado Villa-Lobos. Outra vez, numa calourada, o público começou a arrancar-lhe a roupa até que não lhe sobrasse uma gravata borboleta pra lhe cobrir as vergonhas. “Às vezes isso incomoda. Já tive problemas com produtores. Eu sou músico e quero que a música venha em primeiro lugar”.

Entre Television, Stooges e Lou Reed, o cantor cita Secos & Molhados e o Tropicalismo como suas influências. Entre as primeiras músicas que cantou ao vivo estava justamente Ainda é cedo, da Legião Urbana. Este ano, em duas viagens para São Paulo, conheceu Dado Villa-Lobos por intermédio de Fernando Catatau, o que lhe rendeu o convite para o show no Dragão do Mar. Formado em Ciências Sociais, hoje Jonatta divide suas atenções entre a música e o trabalho como observador de campo da Fiocruz, onde acompanha viciados em crack. Entre os planos, pretende conhecer melhor a cena musical paulista junto com os Garotos Solventes, com quem também gravar logo em breve. Até lá, ele segue falando sobre drogas, desilusões amorosas, prostituição adolescente, pedófilos e outros assuntos nada amenos.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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