Que saudades da Elis Regina… Para mim, para você, como para tantos outros fãs, nunca foi fácil se acostumar com o silêncio desta que foi a voz do Brasil. E é ainda hoje. Se não, quem teria tirado da garganta tantos bons momentos falando da vida, do mundo, do amor e da esperança? Poucos, talvez. Ou muitos, mas poucos com toda a sinceridade. É realmente difícil escolher um disco que resuma a história de Elis Regina. Ainda assim, foi lançado o desafio e a escolha caiu sobre o disco Ela, lançado em 1971.

Casada com o jornalista Ronaldo Bôscoli, na época, a cantora também mantinha um affair com o compositor, produtor e atenadíssimo com a cena musical Nelson Motta. E foi ele quem saiu em busca de um repertório que guiasse a carreira de Elis para uma onda mais moderna. A guinada começou um ano antes, no disco Em Pleno Verão. Deixando um pouco de lado os compositores da Bossa Nova e do samba mais sofisticado que a acompanhavam desde o início, agora a Pimentinha se deixava levar por Tim Maia, Jorge Ben, Roberto Carlos e Erasmo Carlos – esses dois últimos, a propósito, os principais responsáveis pela tão criticada Jovem Guarda.

Quando chegou a vez de Ela ser montado,  Nelson buscou refrigerar ainda mais o trabalho da gauchinha, que adequava seu canto poderoso a uma praia mais ensolarada. Mesmo que antes ela tenha se mostrado publicamente contra a chegada das guitarras elétricas, agora era a vez de se render à modernidade do rock e da black music. Em inglês, ela faz sua própria Golden slumbers, dos Beatles. E, que fique claro em letras garrafais, uma das mais belas gravações de Elis.

Um ano depois da gravação incendiária de As Curvas da estrada de Santos, Elis está mais uma vez com Roberto e Erasmo, quando acelera o ritmo na funkeada Mundo deserto. Pura explosão de uma cantora de veia roqueira que não media emoção nas suas gravações. Acentuando no soul, ela imortaliza Black is beautiful, de Marcos e Paulo Sérgio Valle, que tornou-se um hino desavergonhado que diz “eu quero esse homem de cor”. Tem até uma versão meio dance para Estrada do sol, de Tom Jobim e Dolores Duran, que hoje, parece uma forçação de barra na ideia de modernidade. Para dar um tchauzinho aos fãs mais antigos, tem ainda três típicos sambinhas, bem elegantes. Falei e Disse e Aviso aos Navegantes, ambos de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, e o grande sucesso Madalena, composto por Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza. Sim, eles também são modernos na tradição.

Mas há espaço também para a tristeza e para a melancolia em Ela. A solidão de uma mulher anônima ganha ainda mais profundidade com os tons azuis da faixa título. Ela, de César Costa Filho e Aldir Blanc, é uma dessas canções para ser ouvida repetidas vezes. Incansável e cheia de segredos revelados somente aos mais atentos. Ela, o disco e a música, é mais uma entre as joias deixadas por Elis Regina. Joias que ganham ainda mais brilho com o tamanho da saudade que insiste em ficar.

Faixas de Ela (1971):

1. Ih! meu Deus do Céu (Ronaldo Monteiro/ Ivan Lins) 3:07
2. Black is Beautiful (Marcos Valle/ Paulo Sérgio Valle) 5:21
3. Cinema Olympia (Caetano Veloso) 2:53
4. Golden Slumbers (John Lennon/ Paul McCartney) 2:34
5. Falei e Disse (Baden Powell/ Paulo César Pinheiro) 3:05
6. Aviso aos Navegantes (Baden Powell/ Paulo César Pinheiro) 2:33
7. Mundo Deserto (Erasmo Carlos/ Roberto Carlos) 2:35
8. Ela (César Costa Filho/ Aldir Blanc) 4:49
9. Madalena (Ronaldo Monteiro/ Ivan Lins) 2:41
10. Os Argonautas (Caetano Veloso) 3:07
11. Estrada do Sol (Dolores Duran/ Tom Jobim) 2:15

>> Ela (César Costa Filho/ Aldir Blanc) por Carlus Campos

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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