Não tem jeito, Jorge Ben Jor é o rei do ritmo. Até quando a letra parece non sense, a batida vem subindo pela espinha e, não tarda, você está com o pé batendo no chão. Com tanto suingue, ele acabou criando um esquema novo para o samba. Anunciado no primeiro disco, o carioca de Madureira deu uma azeitada na Bossa Nova, para depois trazer pitadas do funk de James Brown,dos arranjos de Curtis Mayfield e um “sei lá o quê” da Jovem Guarda.

Foram tantas experimentações, que Jorge passou por muitos movimentos musicais, sem nunca de fato ter feito parte de nenhum deles. Integrou o elenco do Fino da Bossa, era amigo de Roberto e Erasmo Carlos, passou pela lisergia dos 1970, foi admirado por roqueiros, funkeiros, pagodeiros, sambistas, regueiros e sambarregueiros. Todos esses elementos foram compondo a personalidade artística que lançou sucesso atrás de sucesso por décadas.

E, ao longo da década de 1970, época que tinha o violão como companheiro, quase tudo que esse carioca lançou foi clássico. No entanto, nada mais clássico nessa carreira de mais de 50 anos do que A Tábua da Esmeralda, trabalho produzido por Paulinho Tapajós e lançado em 1974. São 12 faixas guiadas por uma batida saborosa e assuntos aparentemente absurdos.

Nessa época, muitos artistas buscaram conhecimento além da matéria. Procuraram religiões, filosofias alternativas, conhecimentos milenares em busca de algo que desse a eles respostas para várias perguntas sobre o homem, a matéria e o além. No caso de Jorge Ben, aquele foi um período de aprendizado sobre a alquimia, através de quem ele conheceu Hermes Trismegisto e a Tábua da Esmeralda.

Personagem misterioso, diz-se que Hermes é uma amálgama de Hermes, deus mensageiro grego, e Thoth, deus egípcio responsável pelo desenvolvimento da escrita, da escrita e da magia. O termo “Trismegisto” significa “três vezes grande”, pois ele conhecia os elementos da filosofia universal: alquimia, astrologia e teurgia (arte de fazer milagres). E ele foi o responsável por uma série de preceitos datados dos últimos séculos AC até os primeiros DC, que influenciaram vários textos posteriores, surgindo o que se chama de hermetismo.

Mergulhado nesse mundo de conhecimento, Ben foi dando sua roupagem pop e balançada para personagens bem pouco conhecidos do grande público na época. É o caso de O homem da gravata florida, três estrofes sobre os atributos geométricos e decorativos de uma peça de vestuário. Com direito a figuras de linguagem como “jardim suspenso dependurado no pescoço” e “azul turquesa se desfolhando sob os singelos cravos”, ele se refere a Paracelso, um dos alquimistas mais importantes do século XVI, que usava, na verdade, uma echarpe colorida. E o Namorado da Viúva é o famoso Nicolas Flamel, cuja esposa, Pernelle, havia sido viúva mais de uma vez.

Se nesses momentos os preceitos de Hermes Trismegisto servem como pano de fundo para uma brincadeira, em outros Jorge Ben não mede esforços para falar do que vinha fazendo sua cabeça.  Hermes Trismegisto e sua Celeste Tábua de Esmeralda é uma leitura explicativa dos preceitos do alquimista. E, como à época não existia muita informações sobre esses seres mágicos, Os Alquimistas Estão Chegando os Alquimistas lhes dá boas vindas e explica seus trabalhos.

Além das faixas inspiradas na alquimia, ele não deixou de lado as canções de amor e sua luta pela igualdade pelo povo negro, algo também muito em voga na época. Entre as apaixonadas, Minha Teimosia, Uma Arma pra te Conquistar é o melhor exemplo. E das políticas, Zumbi denuncia anos de escravidão e desrespeito. E tem ainda a pedrada soul/gospel Brother e Eu Vou Torcer, hino pacifista regravado anos depois por Fernanda Abreu.

Sempre nas listas de clássicos brasileiros, A Tábua da Esmeralda é Jorge Ben em sua melhor época. Da religião ao exoterismo, o cantor, compositor e músico vai apontando caminhos para uma obra cheia de personalidade e que ainda funciona como um baú de informações a serem acessadas por jovens e veteranos artistas. Admirado, regravado, reverenciado e sampleado, Jorge segue renovado e rejuvenescido, como se fosse mágica ou obra de alquimista.

Faixas de A Tábua da Esmeralda (1974):

1. Os Alquimistas Estão Chegando os Alquimistas 3:14
2. O Homem da Gravata Florida (A Gravata Florida de Paracelso) 3:05
3. Errare Humanum Est 4:50
4. Menina Mulher da Pele Preta 2:57
5. Eu Vou Torcer 3:15
6. Magnólia 3:14
7. Minha Teimosia, Uma Arma pra te Conquistar 2:41
8. Zumbi 3:30
9. Brother 2:54
10. O Namorado da Viúva 2:03
11. Hermes Trismegisto e sua Celeste Tábua de Esmeralda (Tratado Hermético Escrito pelo Faraó Egípicio Hermes Trimegisto e Traduzido por Fulcanelli) 5:30
12. Cinco Minutos 2:56

* Todas as faixas de Jorge Ben, exceto faixa 11 de Jorge Ben e Fulcanelli

>> O Homem da Gravata Florida (A Gravata Florida de Paracelso) por Carlus Campos

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles