Em 1972, Stevie Wonder já gozava de bom prestígio do mundo musical e vinha numa sequencia de dois discos – Where I’m Coming From (1971) e Music of my mind (1972) – onde teve total liberdade para se mostrar como compositor. Aproveitando esses bons ventos que sopravam, o antes apelidado Little Wonder lançaria, ainda em 1972, um disco que para sempre marcaria sua carreira com louvor. Pianista virtuoso, em Talking Book, o americano aproveitou o espaço para abraçar de vez a modernidade e cair com tudo sobre os sons dos sintetizadores e pianos elétricos. O resultado disso foram 10 faixas cheias de linhas funkeadas, groves pulsantes e interpretações marcantes, que até hoje influenciam novos artistas, principalmente aqueles mais ligados à black music. Entre esses nomes está o da cantora americana Macy Gray, que decidiu comemorar os 40 anos de Talking Book recriando-o todo à sua maneira. Lançado pela Lab 344, o Talking Book de Macy é uma síntese perfeita entre a homenagem e a releitura. Sem a pretenção perigosa de dar um ar de modernindade ao que já é suficientemente moderno, ela simplesmente mostrou seu som, sem perder de vista o original. O resultado é eficiente, gostoso, e, ora, instigante. Embora a grande maioria das faixas repeite as ideias originais, a grande surpresa fica para a pedrada black Superstitition, que virou uma balada jazzística que emula o tom lânguido de Billie Holiday. Sem medo de mexer em um dos pontos mais altos do disco, e, certamente, da carreora do próprio Stevie, Macy Gray se sai bem, não só pela coragem, como pelo resultado sedutor. O mesmo ímpeto aparece em You and I, balada acústica que, no original, é feita somente com o compositor e seu soberbo piano. Já Macy acelera a canção, acrescenta toques eletrônicos com um ar gospel. Em outros momentos o disco acaba soando mais respeitoso, como em You are the sunshine of my life, outro pilar de Talking book. Essa vi mais pra cover do que para versão. Mesmo mudando a instrumentação, Big brother também mantém pari passu o caminho original. Produzido por Zoux e Hal Wilner, os mesmos à frente de Covered, disco anterior onde Macy Gray também recorria às versões, Talking Book se sai melhor que o anterior por seguir uma linha mais definidade de sonoridade. Acompanhada de uma banda fixa ao longo das faixas, você não vai ver aqui objetos estranhos como um rap incidental, uma versão dance ou um remix descolado só para encher linguiça. Pelo contrário, tudo soa redondo e reverencial. Botando sua voz cheia de personalidade a serviço de um repertório impecável, Macy faz seu papel de boa aluna que só quer agradar seu mestre.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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