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Nos anos 1970, o carioca Péricles Cavalcanti estava começando a procurar espaço no mundo da música brasileira. Embora já tivesse realizado alguns feitos no assunto, como gravar com Gilberto Gil na trilha de Copacabana Mon Amour (Rogério Sganzerla), ele ainda não sabia exatamente que rumo tomar. Foi aí que, aos 26 anos, a paixão pela baiana Ana Amélia Carvalho o fez compor canções de amor. Algumas dessas canções chegaram até Gal Costa, que logo deu voz a duas delas, Quem nasceu e O céu e o som. Depois foi a vez de Miúcha e Bebel Gilberto, na época com 12 anos, darem voz a O que quer dizer?. A lista de intérpretes foi crescendo, até chegar Adriana Calcanhotto, que se tornou uma de suas principais porta-vozes.

Embora não seja uma exclusividade delas, a obra de Péricles Cavalcanti foi pontuada pela presença de grandes mulheres. Até cantar que queria a Cássia Eller, ele já cantou. Nada mais justo, então, que o lançamento de Mulheres de Péricles, um tributo virtual, essencialmente feminino, que será lançado pela Joia Moderna. Espaço criado pelo DJ Zé Pedro exclusivamente para cantoras que andam fora dos grandes esquemas, a gravadora montou o projeto junto com Nina Cavalcanti, filha do homenageado. “Eu não participei de nada. Só ouvi depois de pronto. Foi minha filha quem escolheu, junto com as cantoras, o repertório”, comenta o compositor, que admite ter adorado a experiência.

Contando com nomes ligados à nova geração de MPB, Mulheres de Péricles recria em cores contemporâneas 15 composições de Péricles Cavalcanti. Apesar de cada faixa ter sido produzida individualmente, o resultado se uniformiza, principalmente, pelo tom respeitoso dado ao trabalho deste filho de baiana com pernambucano. Diferente de outros tributos, onde o estranhamento é a tônica, aqui a ideia é dar destaque à composição, às palavras e à melodia. Esse é o caso, por exemplo, de Porto alegre, gravada por Adriana Calcanhoto no disco Maré (2008). Na voz de Tulipa Ruiz, a canção ganhou acompanhamento eletrônico, mas não perdeu a levada deliciosa.

Sem perder o estilo lombroso e sensual, Céu também imprime sua personalidade em Blues, canção gravada por Caetano Veloso no disco Outras palavras (1981). Também lançada pelo baiano, Musical perde o ar camerístico e ganha peso com Ava Rocha. Estreando em uma gravação solo, Laura Lavieri (voz feminina do disco de estreia de Marcelo Jeneci) não consegue o mesmo impacto da versão soberba de Gal Costa para Quem nasceu, mas também não faz feio. Melhor se sai Karina Buhr, ancorada nas guitarras de Edgar Scandurra, injetando mais rock em Negro amor.

Contando ainda com Tiê (Medo de amar No 3), Nina Becker (O céu e o som) e Bárbara Eugênia (Ode primitiva), duas faixas que merecem destaque neste Mulheres de Péricles são Bossa nova e Elegia. Na voz de Blubell (quem ainda não conhece, deveria), a canção transporta o ouvinte para a melancolia Billie Holiday. Já a segunda traz Mallu Magalhães, sozinha com seus instrumentos, se esgueirando lânguida numa das mais belas composições de Péricles.

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Sem eleger uma preferida, Péricles Cavalcanti se diz surpreso com a visão desse time de cantoras sobre sua música. E até revela uma coincidência: uma parte delas já havia sido convidada para participar do disco que ele pretende lançar ainda este ano. “Muita gente vai pensar que a participação delas foi por causa do tributo. Mas já venho trabalhando nesse disco há três anos”, acrescenta. Íntimo de todos esses novos nomes que surgiram na música brasileira (ele também é pai de Leo Cavalcanti), aos 65 anos, Péricles faz questão de que remexam seu baú de canções e que tirem dali o que for possível. Seja como cantor, compositor ou produtor, o que ele quer é expandir sua canção.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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