MH_Press_02_085

Aparentemente, poucas semelhanças existem entre Mick Hucknall e Ben Harper. Nove anos mais velho, o primeiro é um inglês branquelo e ruivo que fez fama à frente do combo pop Simply Red por cerca de 30 anos. Já o segundo é um cantor e compositor negro americano que monta bandas de acordo com as sonoridades que quer para seus discos (Relentless 7 e Innocente Criminals são algumas delas). Apesar das diferenças, ambos se aproximam pelo valor que dão às raízes negras da música.

Preservando um vocal possante aos 52 anos, Hucknall é um filho do jazz, do gospel e do soul, referências que ele sempre procurou incluir na sua antiga banda. Seu primeiro trabalho solo, lançado em 2008, foi um tributo ao octagenário cantor Bobby Bland, conhecido como “o leão do blues”. O disco foi lançado enquanto o Simply Red vivia sua derradeira turnê.

Embora nunca tenha negado ser o próprio Simply Red, agora Hucknall é de fato um artista solo e confirma isso com o recente American Soul. Novamente se expondo apenas como intérprete, o cantor vasculhou as próprias memórias musicais para selecionar 12 faixas de nomes ilustres da música negra internacional. Gente como Bettye Lavette, Jimmy Reed (1925 – 1976) e Etta James (1938 – 2012). Diva inesquecível do blues, Etta foi homenageada com uma leitura reverencial da sofrida I’d rather go blind.

Este blues tocante – assim como Don’t let me be misunderstood, do Animals, e Tell it like it is, sucesso de Aaron Neville de 1965 – foi uma das apresentadas no último Ceará Music, quando Mick Hucknall deu uma prévia do seria seu American Soul. Embora lembre o som do Simply Red em muitos momentos (caso da abertura com That’s how strong my love is, imortalizada por Otis Redding), o disco tem momentos sublimes, como I only have eyes for you, e balanços irresistíveis, como Baby what you want me to do. E, para que o tributo ficasse mais didático, cada faixa vem com um comentário do próprio Hucknall e as capinhas dos discos originais.

Ao lado do mestre

Embora as referências soul e gospel também se façam presentes, é fato que, quando o assunto é som negro, Ben Harper sempre teve uma quedinha maior para o blues. Para legitimar essa paixão pelo som do Mississipi, o californiano convidou o lendário gaitista Charlie Musselwhite para dividir seu 12º trabalho, o empolgante Get Up!.

Harper e Musselwhite se conheceram em 1997, quando foram convidados pelo também lendário John Lee Hooker (1917 – 2001) para gravarem juntos a faixa Burnin’ Hell. Vendo a boa interação entre os dois, foi o próprio anfitrião quem os incentivou a voltarem a trabalhar juntos. Apesar dos 26 anos de diferença, os músicos descobriram afinidades pessoais e musicais, e se tornaram amigos.

Lançado pelo selo Stax, Get Up! é produzido e composto por Harper, também responsável pelos vocais e guitarras. Na base, os músicos da banda Relentless 7, Jason Mozersky (guitarra), Jesse Ingalls (baixo) e Jordan Richardson (bateria). Legítimo representante de uma geração fundamental do blues, Musselwhite, do alto dos seus 69 anos, comparece de forma discreta e efetiva ao longo 10 faixas, deixando que sua gaita fale por si.

Cheio de frescor e inspiração, Get Up! é, antes de tudo, uma homenagem a todos os grandes nomes do blues. A suingada She got kick parece ter sido feita por B.B. King, enquanto I don’t believe a word you say se aproxima de Jimi Hendrix. Há também algo de Muddy Waters (I’m in, I’m out anda I’m gone) e Magic Slim (Blood side out). Entre diferentes timbragens acústicas e elétricas, o disco mistura climas e referências. Também presente em espírito, certamente John Lee Hooker está feliz com a ideia.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles