0705va0605O Brasil costuma ter uma relação dúbia com seus ídolos das décadas de 1960 e 70. Se, por um lado, o público cobra novidades, na hora do show quer ouvir aquilo que já foi cantado à exaustão. Ao mesmo tempo em que repetem críticas desatentas como “o Caetano nunca mais fez nada” ou “queria ver o Chico fazer outra ‘Construção’”, esses e outros colegas de geração seguem suas carreiras entre a busca de novidades e a cama confortável do sucesso já alcançado.

Mais curioso é saber que, fora daqui, é comum ver que muitos ídolos de mais idade resolveram aproveitar a aposentadoria para se divertirem ao lado dos amigos, dando de ombros para qualquer cobrança por novidades. O maior exemplo disso atualmente é o Eric Clapton. Em seu recente Old sock (“meia velha”, em bom português), o velho blueseiro inglês selecionou 12 canções, aparentemente desconexas, mas que foram importantes para seus marcantes nos 68 anos de vida (completados no último 30 de março).

A julgar pelo chapelão, pelo cenário praiano e pela barba mal feita, é claro que Eric não está mais muito a fim de provar nada a ninguém. Entre reggaes, blues antigos e standards, o guitarrista simplesmente reuniu os amigos no estúdio e criou arranjos ensolarados para cada canção. Ao lado do pianista Taj Mahal, Eric Clapton abre os trabalhos com o reggaezinho Further on down the road que vem seguido do country pop Angel, duetado com J.J. Cale.

Como quem prepara um churrasco pro domingo, Clapton segue num clima de despretensão. All of me é uma dessas que já foi gravada por todo mundo incluindo João Gilberto, Angela Ro Ro e Ella Fitzgerald. Em Old sock ela permanece a mesma, mas com a voz e o baixo de Paul McCartney (o que é muita coisa). O mesmo acontece em Goodnight Irene, blues de Lead Belly lançado nos anos 1930.

Entre os muitos pontos altos de Old Sock, pelo menos dois merecem destaque. Pouco reconhecido no Brasil, o guitarrista Gary Moore (1952 – 2011) teve seu grande hit Still got the blues amansado nas mãos de Eric Clapton. Com uma releitura intimista e melancólica, adornada pelo teclado de Steve Winwood, a faixa ganha uma tristeza de balançar muito marmanjo. No mesmo clima, Our love is here to stay é mais uma pérola dos irmãos Gershwin e encerra o disco com um afago na orelha do ouvinte. Sussurrando a letra apaixonada, o roqueiro se despede e volta para curtir sua aposentadoria. Depois de tantas, bem que ele merece.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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