Noel-Foto-02Como compositor, Noel de Medeiros Rosa (1910 – 1937) foi um excelente fotógrafo. Com seus sambas, choros e marchas carnavalescas, o poeta da Vila Isabel fez um dos retratos mais fieis dos tipos que habitavam os subúrbios do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século passado. Malandros, mulatas, motoristas, boêmios, trabalhadores e tantos outros. Assim, em seus quase 27 anos de vida, não deixou nenhum herdeiro biológico. Mas, quando o assunto são os herdeiros artísticos, são muitos os seus filhos. Chico Buarque é certamente um dos mais ilustres.

Boêmio e mulherengo, Noel Rosa era tão bom em compor músicas como era em protagonizar histórias curiosas. Muitas delas compõe a biografia No Tempo de Noel Rosa, lançada em 1963 e agora relançada pela editora Sonora, braço literário da gravadora Discobertas. Mais que a história do compositor de Com que roupa?, o livro reconstrói passagens da vida cultural brasileira, como os cenários carnavalescos, os primeiros anos do rádio no País e a profissão de músico naqueles anos. Daí o subtítulo “o nascimento do samba e a era de ouro da música brasileira”.

O autor de No Tempo de Noel Rosa é uma autoridade no assunto. Henrique Fóreis Domingues (1908 – 1980), mais conhecido pelo apelido de Almirante, acompanhou toda a vida artística do Poeta da Vila, como amigo íntimo e parceiro no Bando dos Tangarás, grupo musical que contava ainda com o compositor Braguinha. Além de músico e compositor, Almirante foi também um pesquisador da música popular brasileira (seu acervo de mais de 50 mil itens foi doado para o Museu da Imagem e do Som do Rio) e um radialista de sucesso, que comandou programas nas principais emissoras do País.

E foi na Rádio Tupi que Almirante produziu de abril a agosto de 1951 a série No Tempo de Noel Rosa, que serviria de base para o livro. Botando sua prodigiosa memória pra trabalhar, ele contava durante meia hora os mais diversos “causos” do Filósofo do Samba. Falou de tragédias familiares, como o parto a fórceps que afundou o queixo do compositor (o que viria a se tornar uma marca registrada da sua fisionomia) ou os suicídios do pai e da avó paterna do compositor. Mas falou também de situações engraçadas como o sono petrificante de Noel ou do seu apreço pelas mulheres que conhecia em cabarés. Certa vez, foi preciso a mãe do autor de G” ir até Vitória (ES) resgatar o filho, que havia se enfeitiçado por uma morena baixinha de nome Isaura, uma das moças da Pensão da Badu.

capa-pespectiva-rgb“Ninguém poderia contar a vida de Noel Rosa melhor do que Almirante. Não somente por ter acompanhado de perto o imortal compositor, como, sobretudo, pelo senso de medida, pela exatidão com que enumera os fatos, pela segurança com que alinha episódios e datas”, afirmou o jornalista cearense Edigar de Alencar no prefácio da primeira edição de No Tempo de Noel Rosa. “Com Almirante aprendi a conhecer melhor muitas figuras de nossa música popular e aprendi, principalmente, a pesquisar a história da nossa música”, confirmou o também jornalista Sérgio Cabral, quando o livro foi reeditado em 1977.

Nesta terceira edição, a estrutura original, desenhada por Almirante, foi preservada. A ortografia foi atualizada seguindo as regras do acordo ortográfico de 2009, respeitando, é claro, as licenças poéticas das letras de Noel. Ruas, praças e prédios citados pelo autor também foram atualizadas de acordo com seus novos nomes. A musicografia do compositor também foi atualizada, uma vez que outras canções foram descobertas tempos depois do livro ser concluído.

Fora isso, fica preservado o estilo elegante e certeiro de Almirante falar sobre seu amigo, que foi também uma figura fundamental para se entender a música popular brasileira. Com cuidado para manter o rigor de pesquisador, o biógrafo raramente usa a primeira pessoa. Afirmando que são muitas as histórias atribuídas erroneamente a Noel, Almirante decidiu aqui esclarecer algumas inverdades sobre seu amigo. “Estas páginas não são somente uma homenagem a uma das maiores figuras do cancioneiro popular, mas um tributo à verdade, que merece respeito”.

 

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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