Boêmio e mulherengo, Noel Rosa era tão bom em compor músicas como era em protagonizar histórias curiosas. Muitas delas compõe a biografia No Tempo de Noel Rosa, lançada em 1963 e agora relançada pela editora Sonora, braço literário da gravadora Discobertas. Mais que a história do compositor de Com que roupa?, o livro reconstrói passagens da vida cultural brasileira, como os cenários carnavalescos, os primeiros anos do rádio no País e a profissão de músico naqueles anos. Daí o subtítulo “o nascimento do samba e a era de ouro da música brasileira”.
O autor de No Tempo de Noel Rosa é uma autoridade no assunto. Henrique Fóreis Domingues (1908 – 1980), mais conhecido pelo apelido de Almirante, acompanhou toda a vida artística do Poeta da Vila, como amigo íntimo e parceiro no Bando dos Tangarás, grupo musical que contava ainda com o compositor Braguinha. Além de músico e compositor, Almirante foi também um pesquisador da música popular brasileira (seu acervo de mais de 50 mil itens foi doado para o Museu da Imagem e do Som do Rio) e um radialista de sucesso, que comandou programas nas principais emissoras do País.
E foi na Rádio Tupi que Almirante produziu de abril a agosto de 1951 a série No Tempo de Noel Rosa, que serviria de base para o livro. Botando sua prodigiosa memória pra trabalhar, ele contava durante meia hora os mais diversos “causos” do Filósofo do Samba. Falou de tragédias familiares, como o parto a fórceps que afundou o queixo do compositor (o que viria a se tornar uma marca registrada da sua fisionomia) ou os suicídios do pai e da avó paterna do compositor. Mas falou também de situações engraçadas como o sono petrificante de Noel ou do seu apreço pelas mulheres que conhecia em cabarés. Certa vez, foi preciso a mãe do autor de G” ir até Vitória (ES) resgatar o filho, que havia se enfeitiçado por uma morena baixinha de nome Isaura, uma das moças da Pensão da Badu.
Nesta terceira edição, a estrutura original, desenhada por Almirante, foi preservada. A ortografia foi atualizada seguindo as regras do acordo ortográfico de 2009, respeitando, é claro, as licenças poéticas das letras de Noel. Ruas, praças e prédios citados pelo autor também foram atualizadas de acordo com seus novos nomes. A musicografia do compositor também foi atualizada, uma vez que outras canções foram descobertas tempos depois do livro ser concluído.
Fora isso, fica preservado o estilo elegante e certeiro de Almirante falar sobre seu amigo, que foi também uma figura fundamental para se entender a música popular brasileira. Com cuidado para manter o rigor de pesquisador, o biógrafo raramente usa a primeira pessoa. Afirmando que são muitas as histórias atribuídas erroneamente a Noel, Almirante decidiu aqui esclarecer algumas inverdades sobre seu amigo. “Estas páginas não são somente uma homenagem a uma das maiores figuras do cancioneiro popular, mas um tributo à verdade, que merece respeito”.