5

Em meio a tantas críticas e discordâncias, o Rock in Rio encerrou sua última edição com pouquíssimas unanimidades. No time de brasileiros, uma delas precisou de pouco mais de 10 minutos para se confirmar como tal. Cercado por um grupo de novas (ou nem tanto) estrelas da música pop, Ney Matogrosso subiu ao palco gigantesco para homenagear seu velho amigo Cazuza e comprovou que não há ímpeto juvenil que se compare aos seus 40 anos de experiência.

O corpo magro, a voz muito firme e olhar sempre intimidador do cantor estão tão vivos quanto naquele longínquo 1973, quando ele assustou o Brasil se rebolando à frente dos Secos & Molhados. Como se tivesse sido encantado por uma mágica do tempo, Ney Matogrosso é um caso raríssimo de artista brasileiro que soube envelhecer se mantendo coerente com o passado e atento para o futuro. E isso tudo sabendo conciliar sucesso comercial com boas doses de ousadia.

Incansável físico e artisticamente, o mato-grossense de Bela Vista tem por hábito construir uma cama confortável para seu trabalho, para, em seguida, tocar fogo nela e construir outra. É o que ele faz, por exemplo, sempre que mescla um trabalho mais pop com outro mais MPB. Ou como quando se encanta por um jovem compositor e decide trazê-lo para seu repertório, como fez com Pedro Luís e a Parede 15 anos atrás.

daneydvdO mais novo escolhido para esse seleto espaço é o nipo-paulistano Dan Nakagawa. Autor do elogiado disco O oposto de dizer adeus (2011), Dan cedeu a balada Um pouco de calor para o vigoroso disco Inclassificáveis (2008), de Ney. Cinco anos depois, os dois voltam a se encontrar no DVD Dan Nakagawa convida Ney Matogrosso, lançado pelo Canal Brasil. O intérprete precisa de apenas quatro entre as 12 faixas para roubar a cena. Basta Ney pisar no palco para que todos ao redor virem coadjuvantes.

Do repertório próprio, apenas Sangue latino, que, a cada dia que passa, mais faz sentido para Ney Matogrosso (“sigo sozinho e assumo os pecados”). Mas, aqui, o único pecado do cantor é de deixar clara sua infinita superioridade sobre seu anfitrião. É pra humilhar. Apesar de ser um compositor inspirado, Dan Nakagawa tem sua voz mixuruca praticamente engolida pelo furacão que o rodeia. E quando os dois iniciam um jogo de sedução diante da plateia, fica claro é que preciso pensar duas vezes antes de dividir o palco com Ney.

E é mesmo como um furacão que, nem bem chega às lojas o trabalho com Nakagawa, e já tem outro projeto com outro jovem artista pronto para arrebatar mais fãs de Ney Matogrosso. Gravado em maio de 2012, Infernynho será lançado em CD e DVD trazendo um espetáculo quente e sedutor, reunindo Ney e a carioca Marília Bessy. Dirigido pelo jornalista Rodrigo Faour, o espetáculo agrega 20 canções que têm como único ponto de ligação o conteúdo erótico. Por isso vai de pérolas kitsch, como Conga conga conga, carro-chefe da Gretchen, até Loiras geladas, do RPM. Houve espaço até para relembrar a funkeada e lasciva Açúcar candy, lançado no disco Água de céu – Pássaro (1975), que inaugurou a carreira solo de Ney.

Aliás, não é à toa que ele batizou seu novo show de Atento aos sinais, que também deve virar disco. A proposta de Ney é lançar seus olhos de farol para compositores ainda pouco conhecidos do grande público, como Dani Black, Vitor Ramil e Rafael Rocha, e jovens talentos ainda inéditos na sua voz, como o rapper Criolo. “Minha função é, entre outras, procurar gente nova e botar na roda”, diz o cantor em momento informal do DVD com Dan Nakagawa. Uma missão digna e revela a inquietude de um artista que remoça a cada novo trabalho. Que bom seria se mais gente fizesse assim.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles