Leia a homenagem ao Dia do Samba, publicada neste domingo (1°) no caderno Vida & Arte, do Jornal O POVO

OLYMPUS DIGITAL CAMERAUns tiraram detalhes, outros acrescentaram. Há os que renovaram, enquanto outros preservaram raízes. Uns aceleraram, outros atrasaram o andamento. Eletrônico ou orgânico, na praça, no teatro ou na mesa do bar, já fizeram de tudo com o samba. Ainda assim, esse ritmo, que marca a cadência e o compasso do coração nacional, continua firme no seu propósito festeiro. Símbolo máximo da música brasileira, já elevado à categoria de Patrimônio Cultural da Humanidade, o samba já ganhou as mais variadas misturas, se espalhou pelo mundo e amanhã (2) ganha um dia dedicado a sua memória.

A história do samba começa no início do século passado, fruto da herança africana que se embrenhou no povo brasileiro, principalmente nas camadas mais populares. Rio de Janeiro e Bahia reclamam o berço numa polêmica histórica, embora seja fato que o som dos batuques tenham se espalhado por todo o País. Ainda assim, o marco desse estilo é o lançamento de Pelo telefone, gravada em novembro de 1916, mas só lançada no ano seguinte. Parceria de Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga (1890 – 1974), com o jornalista Mauro de Almeida (1882 – 1956), a música chegou a atrapalhar alguns entendidos, como o pesquisador Almirante, que chegou a identifica-la como um tango.

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O fato é que Donga fez muito sucesso com Pelo telefone. Filho da Tia Amélia, ele se criou nas rodas de batucadas na casa de muitas outras Tias, como eram conhecidas algumas senhoras negras, que montaram pequenos “pedaços de África” no centro do Rio de Janeiro. Naquelas casas, mais ainda em seus terreiros, andavam gigantes como Caninha, Heitor dos Prazeres e Sinhô (José Barbosa da Silva). Pioneiros do samba, eles viram o estilo mudar junto com o cenário da capital carioca. À medida que a parte pobre da população subia o morro, formando as favelas, surgiam também novos nichos compositores. O destaque ficou para o Estácio de Sá, onde Ismael Silva fundou a primeira escola de samba, Deixa Falar.

O morro do Estácio trouxe uma nova cara ao samba, que foi ficando mais urbano, assim como toda a cidade. Nessa época, início dos anos 1930, o rádio era o grande difusor de ideias. Ali nasceram vozes como Mário Reis, Francisco Alves e Orlando Silva, que encheram o samba de luxo e o levaram para o exterior. Carmen Miranda, por exemplo, chegou a ser a personalidade mais bem paga de Hollywood, imortalizada na baiana que Dorival Caymmi descreve em O que é que a baiana tem. Era ainda época do samba-canção de Herivelto Martins, do samba de breque de Moreira da Silva, do choro de Pixinguinha e ainda do samba exaltação, que encontrou sua projeção maior em Aquarela do Brasil, de Ary Barroso.

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Na década de 1950, uma turma queimada pelo sol de Copacabana criou a Bossa Nova ao banhar o velho samba de jazz. A revolução causada por João Gilberto, Tom Jobim e muitos outros ainda hoje é sentida no mundo, e foi se ramificando em outros rótulos. O sambajazz e o sambalanço jogaram um molho ritmado naquele som, que encontrou seu espaço ideal nos bailes. A rouquidão abençoada de Elza Soares, as divisões certeiras de Miltinho e teclados virtuosos de Ed Lincoln estão entre os destaques do estilo.

A década de 1960 chegou com a bossa ficando mais politizada. Nara Leão estreia em disco em 1964 dando voz a Cartola, Elton Medeiros e Nelson Cavaquinho, representantes dos morros cariocas. Com esse repertório, a “musa da Bossa Nova” revelava as mazelas nacionais ao lado de Zé Ketti e João do Vale no espetáculo Opinião. Outro trabalho marcante da época foi o Rosa de Ouro, criado por Hermínio Bello de Carvalho. Fruto das noitadas no bar Zicartola, o Rosa de Ouro reuniu Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Nelson Sargento, Jair do Cavaquinho, Anescar do Salgueiro e a atriz Araci Côrtes. Um dos grandes legados desse espetáculo (que virou disco duplo) foi ter revelado a voz ancestral de Clementina de Jesus, que entrava na segunda parte do show para mostrar seu pot-pourri de jongos e batuques africanos.

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Ainda nessa década, dois nomes surgiram com diferentes contribuições para a história do samba. Uma das maiores estrelas dos festivais de MPB, Chico Buarque mantinha um pé na tradição de Noel Rosa e Pixinguinha, mas dava um tratamento moderno à parte poética. Já Jorge Ben criou uma “escola” de violão, que trazia junto ao samba inflexões típicas do R&B, do soul e do gospel. Seu disco de estreia foi muito bem batizado de Samba esquema novo (1963) e abriu uma nova frente que ficaria conhecida como samba-rock. Sob esse título, se abrigaram Trio Mocotó, Erlon Chaves e Bebeto.

Mais gente chegaria para engrandecer o samba nos anos 1970. Do Maranhão, Alcione chegaria com seu A voz do samba (1975). Com muita simpatia, Clara Nunes vinha de Minas Gerais para se tornar a primeira mulher a vender mais de 300 mil de cópias no Brasil, com o disco Alvorecer (1974). Beth Carvalho também se firmaria como uma das grandes intérpretes brasileiras, assim como Leci Brandão e Ivone Lara. Deixando de lado as questões políticas e sociais, nessa época também surgiu o “sambão-joia”. Adeptos de um som mais romântico e meloso, Agepê, Luiz Ayrão e Benito di Paula eram figuras frequentes nas TVs e rádios populares.

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Muita gente fez sucesso com samba nos anos 1980, até mesmo quem não era exclusivamente sambista. Caetano Veloso (É hoje), Maria Bethânia (Alguém me avisou), Gal Costa (Canta Brasil) só pra ficar nos baianos. Ainda assim, o rock nacional deixou o samba meio acanhado comercialmente. Um novo fôlego veio do bairro carioca de Ramos, de onde surgia uma nova leva de compositores. Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal e Jovelina Pérola Negra trouxeram o pagode bem humorado e cheio de improvisos para as rádios.

Cada vez mais popular, o pagode chegou à década de 1990 transformado, com muita força comercial, mas execrado pela crítica. Raça Negra, Exaltasamba, Katinguelê, Só Pra Contrariar e muitos outros repetiam uma fórmula musical (calcada no romantismo açucarado) e visual (coreografias ensaiadas e roupinhas justas) que os fazia cada vez mais parecidos. O mesmo acontecia na Bahia, onde É o Tchan, Harmonia do Samba e Companhia do Pagode lotavam estádios, como um braço dá então reluzente Axé Music.

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Felizmente, o novo milênio chegou junto com uma turma jovem, disposta a resgatar o que de melhor havia no samba e provocar misturas. Teve samba com rap, samba com funk, samba com rock (não confundir com samba-rock), samba com eletrônico. De Max a Mariene de Castro, muitas ideias surgiram para manter hasteada essa bandeira.

Continua no próximo post…

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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