mariaalcinacapacddenormalAlguns artistas brasileiros seguem uma linha tão particular que fica difícil entender o que aconteceu com eles. Esse é o caso de Maria Alcina. Mineira de Cataguases, ela marcou o ano de 1972 quando subiu ao palco do Festival Internacional da Canção para interpretar Fio maravilha, de Jorge Ben Jor, com seus trejeitos explosivos, andróginos e sua voz grave e marcante. O sucesso se manteve até o momento em que sua imagem foi, aos poucos, sumindo das rádios e TVs.

É fato que nesse tempo ela não parou de cantar, não perdeu o jeitão meio amalucado nem os graves profundos. Apesar de ter feito poucos discos nesses mais de 40 anos, ela nunca deixou de fazer o que mais sabe fazer. No início nesse século, ela até se juntou ao grupo Bojo em dois discos que misturam sua imagem carnavalizante ao som elétrico eletrônico da banda. O resultado é surpreendente.

Agora chegou a hora dela celebrar essas quatro décadas de pura personalidade artística com mais um disco. Lançado na estreia do selo Nova Estação, do produtor Thiago Marques Luiz, De normal bastam os outros confirma o talento de Alcina para juntar as pontas temporais da música brasileira. Nada é tão velho que não possa parecer jovem na voz dela. Nem nada é tão novo que ela não pudesse ter gravado décadas antes.

Reunindo inéditas com velhas canções esquecidas, De normal bastam os outros abre com uma homenagem de Zeca Baleiro, intitulada Eu sou Alcina. Como quem levanta uma bandeira, ela diz “Ninguém me tira se eu tô na roda. Eu nunca saí de moda”. A faixa título também foi feita sob medida para a cantora, que – justa ou injustamente – nunca perdeu a fama de louca, no sentido mais criativo da palavra. Ben Jor volta a presentear a cantora, agora com Sem vergonha, que nem chama atenção nem compromete.

O elogiado compositor paraibano Totonho se destaca em Nhem nhem nhem, faixa que mostra um lado menos festivo de Maria Alcina. Aqui, se sobressai a boa intérprete que ela é. De normal segue com faixas de Adoniran Barbosa (Dondoca), Karina Buhr (Cocadinha de sal), Felipe Cordeiro (Fogo da morena) e Péricles Cavalcanti (Dionísio, deus do vinho e do prazer). Ney Matogrosso comparece em Bigorrilho, num dueto que mais parece um duelo de grandes intérpretes.

Levando em conta o que vem fazendo a cabeça da maioria dos ouvintes brasileiros, fica difícil imaginar que De normal bastam os outros vá tocar nas rádios ou entrar para trilha de alguma novela. O que é uma pena, pois trata-se de um disco pop e muito bem feito. Mas, essa estrada particular é uma opção de Maria Alcina que, é bom lembrar, a deixa livre para fazer o que quer. E por isso que ela merece ser lembrada.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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